CIÊNCIA E HISTÓRIA: APONTAMENTOS SOBRE A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRAPHICO PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Megi Monique Maria Dias

A institucionalização política e cultural da I República (1889-1930) através da ciência foi uma das intensas atividades realizadas no Brasil durante esse período. Sua disseminação era defendida como um instrumento capaz de civilizar o país e como “fundamento para qualquer tipo de progresso da humanidade” (GOMES, 2010 p. 12), com a recorrente ideia de que “não se faria ciência e não se civilizaria um país sem história” (GOMES, 2010, p. 29). Para a historiador Ângela de Castro Gomes, revistas - assim como jornais - constituíam-se em espaços de circulação de ideias reconhecidos como salões, os quais colocavam em exibição homens de letras a um público inusitado (GOMES, 2010, p. 14).

Assim, observamos que participar da redação de um jornal ou de uma revista da envergadura daquela prometida pelos pais fundadores do Instituto Histórico e Geographico Paranaense (IHGP) consistia ingressar no mercado intelectual, expandir contatos e, em alguns casos, conseguir passaporte para mundos políticos e sociais maiores. A ausência de ambiente universitário no Brasil faria com que as agremiações de cunho oficial, como eram o caso dos Institutos Históricos, tivesse no âmbito dos estudos históricos uma iniciativa pioneira, que do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) se estenderia às demais associações do país.

A análise interpretativa realizada por Asthor Diehl (1998) sobre a cultura historiográfica brasileira e o processo de institucionalização do saber histórico no Brasil - a partir do IHGB - nos remete aos processos de construção da identidade nacional e de como esta teve base na perspectiva de uma história científica. Para tanto, alertava que tal instituto, no Brasil, era considerado um espaço aos moldes das academias europeias cujos eleitos se davam a partir de relações sociais, nos moldes das academias do século XVII e XVIII. Além disso, no Brasil, permaneceria como o lugar privilegiado na produção historiográfica “até um período bastante avançado do século XX, vinculado à profunda marca elitista, herdeira muito próxima de uma tradição iluminista” (DIEHL, 1998, p. 24).

Dando sequencia aos seus estudos sobre a identidade nacional o autor ainda afirma que esta é “vinculada a modernização legitimadora e ao ecletismo, ao positivismo e ao evolucionismo” (idem, p.25), tendências que são conciliadas nas bases da cultura historiográfica da virada do século e suas consequências até meados da década de 1920.

Pensar a ciência e história foi uma característica marcante na metade do século XIX e princípios do século XX, visto que escrever e problematizar a nação se caracterizava como um momento histórico e preciso da sua construção, prerrogativa que movia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) como um lugar de onde emanavam, as problemáticas legitimadores de uma cultura historiográfica, uma maneira própria, “eminentemente restrita” e “excludente”, de sistematizar e definir uma história para a nação brasileira. (GUIMARÃES, 1988).

A busca pela cientificização foi recorrente na primeira metade do século XIX fazendo-se sentir pela criação do IHGB como parte de um vasto projeto das ‘elites políticas’ que naquele momento se comprometiam em forjar simbolicamente a Nação estendendo-se a criação de várias outras instituições. O IHGB é uma instituição cultural que foi fundada em 1838, de cunho científico cultural, foi inspirado no modelo francês – Instituto Histórico de Paris, fundado em 1834 - com quem manteria imenso contato. O recrutamento aos quadros sociais do Instituto, segundo os estatutos, dava-se principalmente por via das relações sociais (GUIMARÃES, 2010, p. 28).

A construção de um passado definidor de uma identidade nacional levava o instituto a propor um projeto de soberania nacional que não evidenciasse rupturas com o passado. O projeto do IHGB deveria ser o embrião da escrita da história da nação brasileira, algo que pudesse ser revelado segundo os parâmetros da ciência praticada entre os europeus, tais como: a tradição de civilização e progresso. Reconstruir um passado segundo um método científico era um caminho indispensável para a construção da história da nacionalidade. Assim, história e geografia eram indispensáveis, pois eramespaços onde poderia aparecer a integridade dos aspectos físicos e sociais, de forma que, “o conhecimento histórico adquiriu sentido de garantia e legitimidade para decisões de natureza política, para questões de fronteiras e de identidade” (DIEHL, 1998, p. 33).

A delimitação da noção de um grupo com alguma coesão, que ligados a papéis sociais e projetos políticos harmonizam e autorizam a produção historiográfica de um determinado lugar de produção e construção da história brasileira pelo HGB. Desta maneira, podemos verificar como a tendência da produção de uma ciência unificadora, embrião da civilização, esteve atrelada à interpretação oficial, sendo que a partir de tais premissas, não apenas o IHGB, mas também, as demais agremiações congêneres do país produzirão um tipo de história que servirá para reiterar e legitimar práticas políticas oficiais da época e em especial dos grupos ligados a esses estabelecimentos.

O Instituto Histórico e Geográfico Paranaense em princípios do século XX

Partindo do pressuposto que o Instituto Histórico e Geográfico Paranaense (IHGP) é uma Instituição social que reúne sujeitos criadores de saberes acera da região Paraná percebemos que estes delinearam as características da história que veio a publico nas páginas dos Boletins do IHGP, características essas que estiveram presentes na produção da escrita da história em princípios do século XX, na capital daquele Estado. A escrita da história edificada no Instituto Histórico Paranaense (IHGP) é um tema que se insere no campo da história da historiografia.

Nosso estudo se deu a partir da leitura dos Boletins do IHGP – as três primeiras publicações da agremiação entre os anos de 1918 e 1925 – importante fonte de estudo da história da historiografia, que ganha sentido quando submetida aos processos da prática histórica, ou do que CERTEAU(2002) chama de operação historiográfica. Vale destacar que, de acordo com o autor, são as operações que regulam a escrita da história e seu caráter científico, tais como: a fabricação de um objeto, a organização de espaço de tempo e a encenação de um relato. Nessa mesma direção o conceito de história remete-nos ao significado de: verdade, documento e estilo.

Os saberes produzidos por aquele Instituto Paranaense já nasceram legitimados. Filhos, portanto, de um espaço de sociabilidade e produção histórica, a escrita e a utilização social de seu discurso contem “percepções das representações e das racionalidades dos atores” (CHARTIER, 2002, p. 10). Tal abordagem lembra que as produções intelectuais e as práticas sociais são sempre “governadas por mecanismos e dependências desconhecidos pelos próprios sujeitos” (CHARTIER, 2002, p. 94).

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural, implica um meio de elaboração que está circunscrito por determinações próprias à produção do historiador. É em função deste lugar que se instauram os métodos que se delineia interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam (CERTEAU, 2002).

A construção da historiografia permite manter juntas tradições e contradições sem que seja estritamente necessário resolvê-las. Para Michel de Certeau (2002), “este propósito “globalizante” remete a uma vontade política de gerar conflitos e regulamentá-los a partir de um só lugar” (CERTEAU, 2002, p. 100). O autor contribui com suas reflexões para pensarmos sobre as restrições impostas ao saber historiográfico, demonstrando que as práticas constroem e são produtos de lugares, ou seja, toda linguagem produz particularidades. Como a história é produzida? Como ela contribui para legitimar a ordem social? Como os sujeitos conseguem visibilidades históricas com tais práticas? Como estamos vendo o mundo social?

Uma história que concedesse significância e significado ao Paraná era, sem dúvida, o que movia a produção da escrita da história paranaense no IHGP em princípios do século XX. A imprensa foi de fundamental importância para a difusão dos ideais da época, assim como os escritos do Boletim que analisaremos em futuros estudos.  A modernidade, pensamento esse advindo das concepções europeias do século XIX, também esteve representada nas páginas dos periódicos emanado dos corredores do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense e que devem ter suas análises aprofundadas no decorrer dos estudos que por ora estamos desenvolvendo.

A necessidade de reformular a elite local atualizando e reforçando seu potencial via formas de representação historiográfica foi um dos pontos cruciais dessa análise crítica da historiografia, principalmente no que tange a estrutura do pensamento histórico sem rupturas, assim como a tendência dos modelos explicativos conciliadores da cultura historiográfica. As considerações de Westphalen (1983) sobre a historiografia paranaense revelam o teor da coexistência em seu interior de ‘formas tradicionais e modernas’ (WESTPHALEN, 1983, p. 109). A autora, buscando construir uma trajetória para a historiografia paranaense, constata que a geração que funda o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná em 1900 (a dos paranistas) é a que surge a partir da “Revolução Federalista, com os Centenários e os Contestados” (idem, p. 110).

Algumas discussões sobre ações e representações empreendidas pelos intelectuais paranistas de fins do século XIX e início do XX, sua trajetória desse histórico movimento político-cultural de cunho nacionalista, na formação da I República, já foi objeto de análise de pesquisadores e pode ser observado, por exemplo, nas abordagens realizadas em: SOUZA (2002);

Sendo assim, ao trazer à cena a produção dos homens da primeira metade do século XX, demonstra como ocorreram modificações na configuração da história do Paraná:

“(...) os elementos formadores da população paranaense tradicional, o português, o índio e o negro, assim como os novos elementos, principalmente europeus que, a partir de meados do século XIX, vieram somar-se àqueles, modificando a composição do quadro demográfico paranaense”. (WESTPHALEN, idem, p.121).

Através da produção histórica dos intelectuais que circulava no Instituto Histórico e Geográfico Paranaense é possível pensar nas estratégias de imposição de culturas, revelando faces da centralização em torno de temas, fatos e personagens considerados ‘seminais’ para a produção da identidade paranaense.

Assim, nas propostas desta agremiação era possível averiguar que tal perspectiva era uma prática que atravessava tanto a escrita da geografia quanto a escrita da história. Estudos do discurso historiográfico paranaense de princípios do século XX podem ser reveladores de algumas práticas desencadeadas no Paraná, pois se apresentam como um espaço profícuo para debates sobre este tipo de produção histórica.

Outro discurso presente nos boletins do IHGP trata-se da “consolidação do caráter nacional pela educação”. Desta maneira tentavam afastar “o estigma da inferioridade racial”, além do tom dos debates sobre a identidade nacional, “formatados’, de restrição às diferenças das “múltiplas formas de identificação”, intimamente ligados a “mistura racial rumo ao branqueamento”,

(...), civilizar o Brasil era como branquear, a cultura era subjugada a uma natureza. (...) A naturalização do destino é então uma temática que percorre o boletim histórico o período de 1917-1940, momento em que o Boletim estava sob a direção ou sob a influência de Romário Martins. (...) Mas, mesmo em um boletim histórico, tais respostas eram fornecidas por leis naturais (OLINTO, 2013, p. 114).

Os debates levantados em torno dos Boletins do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense suscitam análises sobre o que foi possível ser questionado pela produção histórica sobre a historiografia paranaense. Neste sentido, foi possível compreender parte do teor dos debates travados por um ‘grupo’ específico e que atravessaram os primeiro quarenta anos da produção da agremiação. As intenções e as propostas apresentadas, já no primeiro Boletim (1918), apontam para o fato de que tinham a função de analisar e propor soluções para as questões percebidas como problemas brasileiros, assim como todo o estabilishment intelectual brasileiro do início do século XX.

Buscando sua caracterização interna e representatividade perante a Nação, os periódicos, conforme previa o Art. VII de seu estatuto deveria ser capaz de “publicar o maior número de estudos e dados historiográficos e geográficos relativos ao Paraná” (Boletim do IHGP, 1918, p. 18). As preocupações em se instituir no Paraná uma história que o fizesse ser reconhecido aos seus, a si e à Nação pautava-se na crença no progresso e no desenvolvimento social.

A metodologia empregada consistia em delinear os traços das riquezas minerais, perfis culturais, a caracterização geológica do solo, folclores, raízes antropológicas, a geografia e a história. Com relação à organização dos boletins, ficava definido pelo Estatuto que sua responsabilidade era de incumbência de seu Diretor ou diretores, que deveriam:

1° - Organisar o plano pelo qual se guie esta publicação;
2° - Divil-a nas secções mais convenientes ao melhor methodo;
3° - Sómente dar publicidade a assumptos da cogitação do Instituto;21
4° - Sómente publicar escrptos por cuja censura se responsabilise;
5° - Fazer trancripções de documentos do seu archivo e de outros, de reconhecido valor e authenticidade;
6° - Exigir a assignatura dos sócios, ou pseudonymo registrado, deuma maneira ou de outra com a aexplicação da cathegoria a que o autor pertencer, se for sócio do Instituto. (Boletim do IHGPR, 1918, Vol. I, p. 20-21 / Estatutos do IHGPR, Da Revista, Cap. IV, Art. II)

Os Boletins do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense podem ser compreendidos como mosaicos que experimentam a ligação entre diversos pontos para explicar a quais histórias e quais projetos estavam atrelados os seus compromissos. Aqui devemos pensá-los - como perspectivas e limites da produção de um determinado lugar. Para nós, é importante pensar de que maneira o conhecimento histórico se difunde em determinados espaços culturais à exemplo do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense, para pensarmos de que forma se construiu um passado produzido e difundido pelo conhecimento histórico. Sendo assim, cabe ressaltar algumas características destes espaços nos quais os saberes circulavam e daqueles que promoveram sua difusão, de forma que, o que nos interessa averiguar são os procedimentos e escolhas históricas da produção científica através dos quais se realiza a construção do conhecimento histórico brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um novo Paraná começou a ser escrito a partir do ano de 1900 de forma que este passou a ser apresentado segundo os parâmetros da modernidade que se alargava no processo de reestruturação dos padrões da sociedade brasileira de princípios do século XX. Os debates sobre a institucionalização de uma cultura histórica no Brasil nos despertou interesse sobre a importância dos procedimentos do conhecimento e da pesquisa histórica desencadeada no Paraná.

Sendo assim, através da pesquisa da escrita da história de um grupo que se organiza e pensa uma cultura de forma a institucionalizá-la, legitimando e integrando os paranaenses em torno de uma história específica e uma maneira histórica de organizar o passado e o mundo social. Testemunhos oculares dessa historiografia, os homens que angariavam seus esforços em torno dos debates e atribuições que lhes reservava os trabalhos do Instituto Histórico e Geographico Paranaense (IHGP), deveriam fazer uma série de reportagens históricas para informar ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB): os nuances da geografia, cultura, economia, história, ou seja, todo um rol de acontecimentos e procedimentos que buscavam legitimar a história do Paraná e sua integração ao nacional.

Neste sentido, nos coube refletir sobre quais compromissos foram assumidos e também sobre qual tradição cultural esses homens que frequentavam o IHGP buscavam pertencer e preservar através de suas práticas culturais, à exemplo da publicação de seus boletins. Sem história, além da cultura, elite, progresso, modernidade, também perdem o significado, o passado, a tradição, seus tutores e guardiões.


REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS:

Megi Monique Maria Dias:  Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR); Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR); Especialista em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/ GUARAPUAVA/PR);

Boletim do Instituto Historico e Geographico Paranaense, Curitiba: Livraria Mundial, Vol. I, 1918.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre a certeza e inquietudes. Porto Alegre, Editora: UFRGS, 2002.
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre a certeza e inquietudes. Porto Alegre, Editora: UFRGS, 2002.
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica brasileira – Do IHGB aos anos 1930, Passo Fundo: EDIUPF, 1998.
GOMES, Angela de Castro. História, Ciencia e historiadores na Primeira República. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Ciência, Civilização e República nos Trópicos, Mauad/Faperj, Rio de Janeiro, 2010.
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional.Estudos Históricos, n. 01, Rio de Janeiro, 1988, pp. 5-27.
______________. Para reescrever o passado como história: o IHGB e as Sociedades dos Antiquários do Norte. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Ciência, Civilização e Império nos Trópicos. Access editora, Rio de Janeiro, 2010.
OLINTO, Beatriz Ancelmo. Pontes e Muralhas – Diferença, Lepra e Tragédia no Paraná do inicio do século XX. 2ª, Editora Unicentro:  Guarapuava, 2013. 
SOUZA, Fabrício Leal. Nação e herói: a trajetória dos intelectuais Paranistas. (Dissertação – Mestrado em História) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2002.
WESTPHALEN, Cecília Maria. Historiografia Paranaense. Posse e conferencia no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 26 de outubro de 1983. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, P. 105-127.

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