MAURA LOPES
CANÇADO E A SUA BUSCA DO “NÃO SEI O QUE É, MAS É MARAVILHOSO” (1929-1993)
Edivaldo Rafael de Souza
Esta comunicação sobre Maura Lopes Cançado (1929-1993) tem
como principal objetivo reconstituir a trajetória de vida da escritora desde o
nascimento até a sua morte. Para tanto, será apresentado um perfil biográfico. Assim,
este trabalho justifica-se na tentativa de que haja um maior reconhecimento da
autora no meio acadêmico, objetivando, principalmente, identificar os aspectos
da vida e da obra da autora em questão. Utilizou-se, desse modo, de alguns
textos para estudo, bem como também os dois livros da escritora supracitada, a
saber: Hospício é Deus – diário I (1965)
e O sofredor do ver (1968).
A escritora Maura Lopes Cançado nasceu em 27 de janeiro de
1929, em São Gonçalo do Abaeté-MG. Criada em uma família tradicional do
interior de Minas Gerais, a escritora era filha de José Lopes Cançado, um
famoso coronel da cidade, e também de Affonsina Álvares da Silva, citada por
Maura como sendo uma mulher extremamente religiosa e dedicada a cuidar da família.
Entrementes, percebe-se que os papéis do homem e da mulher ainda estavam bem
delineados durante o início do século XX. Dessa forma, o homem era o
responsável pelos assuntos externos e a mulher aos assuntos internos de uma
residência. Essa sociedade patriarcal marcada pelo preconceito em relação às mulheres
vinha sendo constituída desde o período colonial.
Desde a infância a autora sofria com problemas psicológicos,
e tal constatação era apurada segundo os próprios relatos de Maura: “[a]os sete
anos fui vítima de um ataque convulsivo que muito preocupou meus pais. Deu-se
enquanto eu dormia, e não sofri. Apenas dor de cabeça ao acordar.”(Cançado,
1978, p. 22). Posteriormente, a escritora passou a sofrer frequentemente com
tais crises e desmaios. Todavia, isso não foi empecilho para que ela, no ano de
1944, aos quinze anos de idade, se matriculasse em um aeroclube na cidade de
Bom Despacho - MG, onde aprendeu a pilotar.
Como se pode perceber, desde jovem a escritora já ousava em
suas atitudes, contando sempre com o apoio de seus pais, que deram a ela um
avião modelo “paulistinha”, no qual sobrevoava toda a região. Entretanto, Maura
relatava que sentia muito receio enquanto pilotava, temendo ter uma crise em
meio ao vôo. O que conota a lucidez em relação ao medo de que o avião pudesse
cair. Curiosamente, ela revela que essa sensação servia como estímulo para as
suas proezas.
Outro fato relevante sobre Maura é que a autora descreve em
seus livros que sempre que conseguia algo, rapidamente se desinteressava por
aquilo; daí o que ela descreve como sendo a sua busca pelo “não sei o que é, mas é maravilhoso”. É justamente nesse período
que a futura escritora casa-se com um colega do aeroclube, Jair Praxedes. Ainda
no mesmo ano o casal teve um filho, que foi batizado com o nome de Cesarion
Cançado Praxedes.
No ano seguinte, em 1945, separou-se do marido, voltando a
morar com os pais em São Gonçalo do Abaeté; nesse ínterim, seu pai José Lopes
Cançado falece. Após esse episódio, Maura continua morando em sua terra natal,
todavia, de acordo com ela, passa a ser excluída pela sociedade são-gonçalense,
simplesmente por ser considerada uma má companhia, por ser “mãe solteira”. Foi
este um tempo em que
“as circunstâncias levaram-na ao distanciamento das outras
adolescentes; a partir daí ela passou a buscar, na companhia de crianças da
localidade, uma forma de resistir e continuar a usufruir daquele lugarejo
interiorano” (SOUZA, 2018, p. 5).
Em 1949, internou-se por conta própria na Casa de Saúde
Santa Maria, na cidade de Belo Horizonte, alegando estar sentindo-se muito
angustiada e extremamente deprimida. Adiante, ela decidiu ir morar na cidade do
Rio de Janeiro.
Em 1958, Maura Lopes
Cançado escreve alguns contos e envia para o escritor Ferreira Gullar que, de
imediato, interessa-se pela escrita da autora. Decidindo ir ao encontro da
jovem, ao conhecê-la, percebe que ela está com problemas. O autor então decide
dar-lhe uma vaga de assistente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Por
conseguinte, Ferreira Gullar publica em 1958 o primeiro conto da escritora,
intitulado “No quadrado de Joana”.
A escrita de Maura foi muito elogiada por críticos
literários, leitores do jornal e por nomes consagrados como Clarice Lispector.
No conto publicado, percebe-se claramente que os problemas mentais da escritora
interferiam na temática de seu escrever, uma vez que a personagem principal
sofria de esquizofrenia catatônica. Durante a sua passagem pelo jornal, segundo
alguns ex-colegas, a autora demonstrou o seu jeito inconstante de ser, às vezes
carinhosa e meiga, mas de repente violenta e agressiva.
No ano de 1959, a escritora decide internar-se novamente,
desta vez no Hospital Psiquiátrico Gustavo Riedel. Continuava, porém, escrevendo
os seus contos. Nesse período escreveu também o livro “Hospício é Deus - diário I”, que claramente dividia-se em duas
partes, sendo a primeira a rememoração de sua infância e adolescência, e a
segunda escrita em forma de diário, onde foram relatadas as experiências da
escritora enquanto interna. Destaca-se na obra também os relatos sobre os maus
tratos que ela e as outras internas sofriam dentro das instituições
psiquiátricas.
Deve-se levar em consideração o caráter literário da
escritora, pois a realidade relatada em seus livros recebe uma carga ficcional
densa, o que de nenhum modo ofusca a importância da sua obra no tangente à
“denúncia” sobre o modo opressivo em que as internas das instituições mentais viviam.
Em 1968, é lançado o seu outro livro, “O sofredor do ver”, contando com uma coletânea de doze contos que
haviam sido publicados em jornais, além de outros inéditos. É importante
destacar que existem alguns textos que não foram publicados no seu livro, “[s]ão
eles: ‘Cabeleireiro de senhoras’, ‘Passagem-passaporte’ e ‘Carta a Mao Tsé-Tung’.”
(SOUZA; SILVA, 2018, p. 350).
Em 11 de abril de 1972, Maura estava internada na Clínica
Dr. Eiras. Nesse local matou estrangulada com um lençol uma interna de dezenove
anos, a qual estava grávida de quatro meses. Quando os médicos chegaram, a
escritora estava perturbada, tendo recordado o assassínio apenas na
penitenciária, relatando ter tido uma amnésia e não lembrar-se direito do
ocorrido. Depois disso, a autora passou por alguns presídios cariocas, até ser
considerada inimputável pela justiça. Após tal ocorrido, passou a viver com seu
filho Cesarion. Nunca mais quis escrever, vindo a falecer em 19 de dezembro de
1993, vítima de um ataque cardíaco.
Com este trabalho
conclui-se que a escritora, além de carregar uma trajetória peculiar, configura
um importante nome para a literatura brasileira, visto que não apenas escreveu
diversos contos, mas ainda expressou em suas obras o fruto do olhar de quem
estava dentro dos muros dos hospícios, apresentando uma perspectiva singular de
quem se encontra do lado oposto ao lado dos “sãos”. É essencial, portanto, o
desenvolvimento de estudos sobre a autora mineira no meio acadêmico. Ademais, a
sua vida e obra estão em constantes aproximações e distanciamentos, de sorte
que esta comunicação aborda e fomenta uma questão fundamental, a saber, a
necessidade de um maior entendimento sobre a trajetória de vida e a obra de
Maura Lopes Cançado.
REFERÊNCIAS:
Graduado
em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. E-mail: edivaldorafael007@gmail.com
CANÇADO, M. L. Hospício é Deus: diário
I. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1979.
_____. O sofredor do ver. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2015.
SOUZA,
E. R. Ousadia, resistência e exclusão: a infância e a adolescência de Maura Lopes Cançado no
interior de Minas Gerais (1929-1946). In: XXI Encontro Regional de História -
Anpuh MG, 2018, Montes Claros - MG. Anais eletrônicos do XXI Encontro Regional
de História - Anpuh MG, 2018. Disponível em: http://www.encontro2018.mg.anpuh.org/resources/anais/8/1534000993_ARQUIVO_EdivaldoRafaeldeSouza-ST21.pdf. Acesso em: 21 nov. 2018.
SOUZA, E. R; SILVA,
P. S. M. Vida e obra de Maura Lopes Cançado na imprensa carioca (Rio de Janeiro,
1958-1994). PERQUIRERE (UNIPAM), v. 15, p. 342-357, 2018.
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