A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA DO REAL NO
CINEMA CONTEMPORÂNEO
Devemos
compreender que o problema de definição de “cinema pós-moderno” incide no
conceito como fenômeno cultural. É preciso estabelecer a diferença entre
pós-mordernidade (referindo-se a um período histórico) e ao pós-modernismo (que
se refere ao campo cultural de estudo da contemporaneidade – porém não sendo
necessariamente contemporâneo). O período da modernidade é definido a partir da
revolução industrial com o boom tecnológico
criado pela linha de produção e da estruturação de uma nova sociedade (com
novas classes sociais e novas tecnologias disponíveis). Já o modernismo se
encontra entre séc. XIX e XX, que trazia uma nova perspectiva de técnicas e
criações artísticas (o que Hobsbawn traz como uma nova expressão do artista,
que se encanta com o mundo e se transforma para um romântico, apreciador da
natureza e daquilo que é belo).
Podemos
perceber o sentido de pós-modernidade em Bauman definido como Modernidade líquida, que é uma crítica referida
a uma ideologia constituída e reproduzida dentro do pós-modernismo no qual a
fluidez e dinâmica cultural com interação e constituída na globalização
fomentam uma fragilização e relativização de aspectos particulares, não estabelecendo
uma linha de continuidade ou transformação, o que enfraquece a identidade
cultural e as ações sociais, diferente de uma modernidade sólida do período da
sociedade industrial, da sociedade da guerra-fria. Optamos por uma relação do
momento, um simulacro do presente, onde não se tem dinâmica suficiente para o
fenômeno identidade cultural, onde
cada vez mais perdemos a essência de liberdade, mesmo sendo fomentado o
discurso do “Sim, você pode” [Yes, you
can]. O volátil e a insegurança são o que define o presente, criando as
doenças como ansiedade e depressão apresentada por Han (Byung-Chul) em seu
livro sociedade do cansaço (2015) e
como Pucci Jr aponta em seu texto, o pós-modernismo suscita um tempo em que por
um lado é apolítica e inautêntica, porém por outro é livre de pressões e
inadmissões de outros tempos.
O
termo ganhou forças na literatura de John fowles e Doctorow, porém logo se
destacou por servir como um termo a se elogiar ou criticar alguma expressão
artística, dependendo do texto e da forma abordada pelo seu autor. Pode-se
perceber que o principal motivo do nascimento dessa alcunha de uma arte pós-moderna está ligado no modo que a
mesma foge das classificações tradicionais encontradas no período que a obra
fora criado, e que suscita um diálogo de característica de diversas escolas
artísticas (como por exemplo: a clássica, modernista, vanguardista,
expressionista, surrealista, etc.) não podendo ser definido em um único termo,
pois não apresenta uma única especificidade. Porém o principal elemento
implantado foi à cultura de massa em suas expressões, como vemos na arquitetura
e os seus edifícios (que incluíam as representações culturais artísticas das
escolas tradicionais mais os elementos culturais locais) e nas artes plásticas
com seu pop art (com o figurativismo
e o abstracionismo) rivalizando ambos com a arte moderna. Compreendemos essa
evolução e diferenciação da arte nos períodos históricos: Média (saber não é
nada); Moderna (saber é poder), e; contemporânea (não se sabe).
O
surgimento da sociedade de consumo do séc. XIX afetou signitivamente as artes
de todos os setores pela necessidade de produção de mercadorias em massa para
satisfação do consumismo e pela entrega do gosto (ou saber o que é arte) ao
mercado – o mesmo que Hobsbawn se refere como o ditador da liberdade do
artista: “ou faz o que se quer, ou morre de fome” – e, portando, definindo que
“no vestuário, nas comunicações e na arte, incluindo-se o cinema, tudo passou a
ser volátil como nunca, resultando na debilitação do sentido histórico dos
atores sociais” (PUCCI JR, 2006. p367) e que sua deformidade nos signos “produziria o retrato de uma
supermetrópole mergulhada no caos” (PUCCI JR, 2006. p367). Assim necessitamos
do termo pós-modernidade para referenciar a pluralidade da característica
cultural e artística do fenômeno artístico do contexto (como o pastiche – o jogo da imitação) e o
elemento da nostalgia (já que há uma fluência de diversos períodos,
características e não há definição, uma certeza, a Historicidade do objeto fica
impossível – o que Fukuyama poderia dizer como o fim da história mais uma vez). Podemos dizer que a
pós-modernidade cria um simulacro do real não-presente, o que nos define e
forma nossa identidade não necessitando ser no contemporâneo, mas sim, de
qualquer período – recriando uma situação social do passado e presente,
reconfigurando uma tradição, uma cultura.
Na pós-modernidade não há a originalidade,
porém há uma relação direta com a cultura de massa, a cultura do seu
consumidor.
Harvey
em seu estudo intitulado a condição
pós-moderna (1993) demonstra no capítulo O tempo e o espaço no cinema pós-moderno que os artefatos culturais
utilizados por esse novo Fenômeno (a pós-modernidade) consiste numa pluralidade
variada de vertentes, associado ao “ecletismo de sua concepção e [a] anarquia
do seu assunto” (HARVEY, 1993. P277). Os conceitos de tempo e espaço presentes
nos filmes são apresentados como movimentos, não seguindo uma linearidade,
utilizando-se de recortes e uso serial direcional em efeitos. Como primeiro
impulso do modernismo cultural, o cinema toma nesse novo período a união entre as
culturas populares e o cientificismo academicista, que proporciona uma
construção mútua de identidade e a formação de uma nova estética da
contemporaneidade. O autor analisa o filme Blade
Runner (1982) e como os traços da problemática pós-moderna se apresentam e
são desenvolvidos. O filme cria uma visão de realidade de um futuro decadente,
onde a alta tecnologia e a crise pós-industrial da sociedade convivem no mesmo
ambiente. Num estilo steam punk, o
filme trata de um mundo que criara Replicantes, robôs que fariam as funções
mais pesadas dos humanos, porém com uma característica bem peculiar: duram
somente quatro anos. Isso é devido ao medo que essa tecnologia causa a essa
nova população, já que são melhores em todas as características e tributos
comparados aos humanos. Harvey diz que “Deve-se observar que os Replicantes não
são meras imitações, mas reproduções totalmente autênticas, indistinguíveis em
quase todos os aspectos dos seres humanos. São antes simulacros do que robôs.”
(Harvey, 1993. P278).
O
objetivo de criação dessa nova tecnologia está no fator tempo que a pós-modernidade criou como problema. Pela quantidade
elevada de funções e a fragilidade cultural do presente, não havendo mais uma uniformidade
e divisão de tarefas, a dinâmica do tempo necessitou ser controlada com maior
“qualidade”. Vivemos num eterno presente, não havendo tempo para o passado. Por
isso o autor trata que “Os Replicantes existem, em resumo, na corrida
esquizofrênica do tempo que Jameson, Deleuze e Guattari e outros vêem como algo
tão central na vida pós-moderna [...]”. E continua: “[...] Eles também se movem
num espaço com uma fluidez que lhes dá um imenso arcabouço de experiência. Sua persona equivale em muitos aspectos ao
tempo e ao espaço das comunicações globais e instantâneas” (Harvey, 1993. P278).
E com a constante valorização do presente não havendo tempo para um passado, a foto digital – ou o novo Fenômeno, selfie – cristaliza um momento que
Historiciza o evento na sua história – ou linha
do tempo – e traz importância social para seu autor. Sem essa ferramenta,
não há como constatar e provar tais fatos. Sem o registro, o autor não obtém
seu valor e reconhecimento em seu meio. Na pós-modernidade, a memória se perde e vivemos no eterno
presente. Como Harvey fala que “[...] as fotografias são feitas agora como
provas de uma história real, pouco importando qual possa ter sido a verdade
dessa historia. A imagem é, em resumo, prova da realidade, e as imagens podem
ser criadas e manipuladas” (HARVEY, 1993. P280) assim como alertava Benjamin
sobre a aura do momento que se perdeu na modernidade. O real se perde como
fator humano.
Assim
compreendemos que o movimento da pós-modernidade é relacionado entre o
cientificismo e o cultural. A comunicação e a constante globalização das
informações possibilitam um movimento de características particulares
circularem em todas as sociedades. Com o fenômeno da internet, notamos que não há mais a unicidade do local. Com o imperialismo, a dominação geopolítica de
locais fez um colorido racial unir culturas, formando um novo fenômeno
contemporâneo. Um Europeu pode se reconhecer no continente asiático, africano,
americano... Vivemos numa fragilidade que não conseguimos mais nos identificar,
não sabemos mais quem somos. A alta tecnologia, a velocidade da dinâmica social
e a simultaneidade de signos podem alimentar nosso consciente, porém o caos, a
decadência e o pós-industrial da pós-modernidade é o que está em nosso
inconsciente. Por isso: Somos fruto de escolhas pessoais ou imposições? Como
Harvey conclui “Se há uma crise de representação do espaço e do tempo, têm de
ser criadas novas maneiras de pensar e de sentir. Parte de toda trajetória para
sair da condição da pós-modernidade tem de abarcar exatamente esse processo”
(HARVEY, 1993. P288). O real não é o fato, mas sim a construção, seja ela social, política, cultural, etc. Por isso se
entende que as cidades fragmentadas e o caos dos signos significam a crise do
presente – a crise de representação das
formas culturais – e o que nos aguarda é o período da pós-verdade, da fragmentação e da incerteza. O real deixa de
existir, passando a realidade ser ditada pelo hyper-real.
Referências
Sobre
o autor:
-Graduado
em Licenciatura em História pela Faculdade Porto Alegrense (2018)
-Membro
fundador do Grupo Autônomo de Pesquisa Sair da Grande Noite. Site: https://sairdagrandenoite.com/
BAUMAN, Zygmunt. O
mal-estar da pós-modernidade. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HARVEY,
David. A condição pós-moderna uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 6ª ed. São Paulo: Loyola,
1993.
PUCCI
JR, Renato Luiz. Cinema Pós-Moderno.
In: MARCARELLO, Fernando (org.).
História do Cinema Mundial. SP: Papirus, 2006.
Bom dia, como diz o texto, existe o enfraquecimento cultural proporcionado pelo pós moderno. Contudo, seria possível encontrar algo de positivo nessa "diluição" das culturas, uma vez que assim se quebram barreiras segregacionais, tendo sua representação na produção fílmica?
ResponderExcluirPablo Coelho
bom dia pablo
Excluiragradeço pela leitura e a pergunta feita
claro que podemos encontrar positividade, pois isso é mera questão de percepção
foi compreendido no texto que se é criado um simulacro de realidade através da combinação de tecnicas e, portanto, não teria como definir qual a atualidade da obra em seu presente
pode ser entendido como a arte pela arte, ou determinado pela industria como a arte pelo bem-estar, pelo pastiche.
atenciosamente
leonardo inacio grazziani
Boa tarde, Leonardo! Ótimo texto e nos traz boas reflexões.
ResponderExcluirLendo seu texto eu fiquei com duas questões em minha mente: uma delas é se esta mudança de paradigma cultural, social, etc., já poderia ser encontrado ainda na modernidade (um embrião), expressa em pensadores como Nietzsche. Outra questão seria se você enxerga esse momento histórico como fruto da produção e reprodução da vida material ou como produto da própria subjetividade desvinculada das bases matérias?
bom dia jeferson
Excluirobrigado pelas questões abordadas
primeiramente, sim podemos verificar na modernidade um embrião segregado de seu meio que deu base e orientou o contexto atual em que vivemos. porém, não podemos dizer que se é o próprio fenomeno, pois os pontos principais de análise são a massificação e a industria cultural que manipula a realidade presente.
sobre a segunda questão, podemos entender que a reprodução da vida material pela mundialização das culturas determinou que o ser na contemporaneidade tenha sua subjetividade desvinculada diretamente a cultura, sendo que o meio somente orienta e formata a vida presente no dito cotidiano.
abraços
leonardo inacio grazziani
Muito obrigado pela resposta... e parabéns pelo trabalho. :)
ExcluirComentário: Jeferson do Nascimento Machado.
ExcluirBoa noite, Leonardo.
ResponderExcluirA minha dúvida surge em relação ao filme Blade Runner, pois apesar de ele ter sido um marco no cinema sobre distopias e ficção científica, ele foi o primeiro a de fato representar tais questões pós-modernas?
bom dia paulo
Excluiragradeço a leitura e a questão levantada
a película apresentada pela análise não sugere que seja a primeira, mas sim que foi a de maior amplitude em seu inicio
mas para ser sincero, a necessidade de se determinar qual é o primeiro filme não se tem objetivo, pois o que possibilita a análise de tais fenômenos é a conjuntura que a obra apresenta-se inserida.
atenciosamente
leonardo inacio grazziani
Entendi, perguntei porque meu interesse parte pelo lado cinematográfico mesmo, eu nunca tinha parado pra pensar por esse viés que apresentaste, parabéns pelo trabalho.
ExcluirAtt,
Paulo Rodrigo Magalhães Santiago
Caro Leonardo, o interesse do conceito de cinema pós-moderno é estratégico, é porque a noção, equívoca, demanda um contexto de operações teórico-conceituais que lhe dê sentido e esse sentido está necessariamente ligado a uma interrogação sociopolítica.
ResponderExcluirParabéns por seu texto