A TRANSFORMAÇÃO COMO FIM E O MÉTODO COMO MEIO: O
JURI SIMULADO PARA UM ENSINO DE HISTÓRIA RELEVANTE
Rayme Tiago
Rodrigues Costa
DE QUAL
EDUCAÇÃO ESTAMOS FALANDO?
O objetivo da educação está em
inventar e reinventar a civilização sem barbárie (Florestan Fernandes).
O texto que segue é fruto das
discussões das aulas no mestrado profissional em ensino de historia pela UFPA
junto com aulas ministradas no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Pará (IFPA) no campus Paragominas no qual sou professor. Neste
foi realizada uma atividade nas aulas ministradas para o 2ª ano do ensino médio
com o objetivo de debater a Conquista da América e o Genocídio dos povos
indígenas.
Em tempos onde a democracia se
vê ameaçada, onde a desigualdade social alcança índices alarmantes e seres
humanos morrem pela sua cor e gênero é impossível pensar a educação apenas como
transmissão de conhecimentos. Segundo Istvan Mészáros (2008) a educação deve ir
para além do capital, o seu objetivo deve ser a emancipação humana, a
transformação radical do atual modelo econômico e político. Sem combater tais
estruturas a escola e os métodos educacionais tornam-se, tão somente
ferramentas para equipar e legitimar os interesses dominantes, reproduzindo os
valores e perpetuando uma concepção de mundo baseada na lógica capitalista.
Em “A globalização e os
desafios da educação no limiar do novo século” Silvio Gamboa aponta os
paradoxos da educação na virada dos séculos, tendo como perspectiva a América
Latina. O autor indica que a proposta de educação da modernidade, uma educação
laica, universal, satisfatória e relevante que tinha como objetivo a formação
integral do homem não foi concluída, tendo nos anos de 1970 como momento
decisivo onde “foram impostas legislações sobre a profissionalização do ensino
e a organização técnico-burocrática da escola, em consequência do
desenvolvimento industrial da região” (p.85). Essa proposta educacional faz
parte de uma nova fase de retomada da expansão do capitalismo e do
desenvolvimento industrial onde é necessário formar mão de obra tecnificada,
abundante e barata colocando a educação dentro da lógica fabril. Para tanto os
métodos pedagógicos têm a pretensão de objetivos neutros e científicos buscando
a eficiência instrumental, ou seja, a didática se reduz a operacionalização de
conhecimentos mecanizando o processo de ensino- aprendizagem.
GAMBOA (2001) ajuda-nos a
compreender que a ideia de um conhecimento neutro e objetivo têm como fundo uma
proposta educacional assentada nos parâmetros capitalistas levando o homem a
condição de homer faber tão somente,
desconsiderando desta feita as demais dimensões do ser humano. Tais
compreensões são fundamentais para o professor posicionar-se perante o papel de
educar, não se pode reduzir a educação a uma mera transmissão de conhecimentos
acreditando fazê-la de maneira isenta, tal perspectiva na realidade fortalece
valores e mentalidades capitalistas.
Desta feita, apesar deste
trabalho ter como principal objetivo apontar um caminho metodológico para o
ensino de historia é necessário deixar explícito a concepção da educação
defendida, uma educação para a vida e para a emancipação, sem a qual a metodologia
torna-se sem sentido, esta concepção acima do conteúdo, técnicas e métodos (que
são importantes) é nevrálgica para uma educação emancipadora.
Parte-se do pressuposto de que
o ensino de historia deve educar para a vida, extrapolando os conhecimentos do
passado, objetivando construir a identidade, o pensamento crítico e a emancipação
humana, nesse sentido Rusen (2007) é fundamental por estabelecer os alicerces
teóricos de tal concepção de ensino de historia (didática da história), segundo
ele os níveis de aprendizado devem envolver o sentido, a interpretação e a
ação. Segundo esse autor “o efeito sobre a vida prática é sempre um fator do
processo de conhecimento histórico”, os domínios da história não se resumem ao
passado, pelo contrário, a “teoria da historia preocupa-se em colocar a relação
do conhecimento histórico à prática de modo consciente” (p.86). A práxis é
função do saber histórico, a história deve orientar o aluno que vive em
sociedade, contribuindo para formar a sua identidade para viver e agir
intencionalmente, este deve ser orientado para pensar historicamente. Ou seja, presente, passado e futuro devem estar
interligados no processo de ensinar e no objetivo do saber histórico.
Nesse sentido é fundamental
compreender o aluno, a sua realidade e a comunidade onde a escola está
inserida, sem essas informações e leituras não é possível pensar um
conhecimento relevante e pautado no tempo presente, ou seja, deve ser
considerado a vivência, os conhecimentos e as perspectivas do aluno e do
contexto em qual a escola está inserida. Quais os temas em discussão naquela
comunidade? Quais as maiores necessidades? Interesses? Quais as problemáticas
os cercam? É necessário que o professor que quer educar e não apenas transmitir
conhecimentos, consiga fazer essas leituras, e neste ponto é necessário
utilizar das habilidades de um antropólogo, ser capaz de observar, registrar e
posteriormente sistematizar essas informações para serem utilizadas. Tal
estratégia é conceituada por Marli Andre (1995) sendo chamada de “Etnografia da
prática escolar”. No métier do historiador esse método foi chamado por BLOCH (2001)
de “método regressivo” indo do presente para o passado. É desta forma que os
conhecimentos transmitidos sairão do passado e fará sentido para a vida do
aluno.
O Instituto Federal é
reconhecido por oferecer uma educação que integra o Ensino Regular e o Ensino
Técnico em diversas áreas, tendo como foco uma formação integral, valorizando o
Ensino a Pesquisa e a Extensão, criando no educando uma capacidade de executar
operações, mas também de pensar e refletir sobre sua atividade enxergando a
comunidade e os diversos fatores que os cercam. O campus Paragominas foi
fundado em 2015 e situa-se na avenida Fortaleza no bairro Bela Vista, que
apesar de ser próximo do centro é considerado um bairro periférico pela sua
estrutura. O campus ainda não tem uma estrutura própria e funciona em prédio
alugado, que apesar de não ser o ideal, supre momentaneamente as necessidades,
contendo além das salas de aulas, uma biblioteca, refeitório, banheiros,
laboratórios de informática e alguns recursos de mídia.
A realidade social é uma característica
importante e que deve direcionar o sentido das aulas.
Paragominas é um município
situado ao norte do estado do Pará contém aproximadamente 110 mil habitantes, e
foi fundada em 1965 com influência da BR 010. Nesta cidade 77, 3% da renda,
segundo o IBGE (2010), é oriundo de investimento externo principalmente das
indústrias mineradoras que extraem bauxita dos rios da região, 41,3% da
população ganha até meio salário mínimo (números de 2016). E mais de 80% da
população é cristã, sendo aproximadamente 45% católicas e 35% evangélicas das
diferentes matrizes. Existe uma grande proximidade nas atividades cotidianas
dos alunos com a realidade rural, o agro negócio e a produção rural são outras
atividades da região.
No campus Paragominas mais de
70% dos alunos recebem auxílio estudantil, que segundo o site do IFPA:
“tem por finalidade
proporcionar condições de permanência e êxito ao processo formativo dos
estudantes regularmente matriculados em cursos presenciais no IFPA que se
encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica.”
A partir deste breve panorama é
possível constatar a proximidade dos alunos de alguns temas, o ambiente rural
com todas as suas características e peculiaridades, a desigualdade social,
pobreza, racismo e religiosidade são alguns temas que fazem parte do contexto
dos alunos e devem fazer parte das discussões e atividades propostas.
O conteúdo da “Conquista da
América” foi ministrado para a turma de Informática do 2ª ano, uma turma
heterogênea, mas que tem uma forte característica conservadora, desta forma o assunto
a ser apresentado poderia ser utilizado para possibilitar uma visão de mundo
mais democrática, humana a fim de valorizar as diferentes visões de mundo. O
conteúdo das aulas teve como base as discussões de Tzvetan Todorov (2007) e o
pressuposto teórico decolonial pautado em Stuart Hall (2003). A atividade teve
como objetivo a compreensão dos principais aspectos da conquista/invasão da
América, além de possibilitar um pensamento autônomo e valorização das
diferentes cosmovisões.
A atividade teve 6 aulas para
ser executada, nas duas primeiras foi feita uma discussão geral falando sobre o
contexto da expansão europeia evidenciando-se as motivações e justificativas
para tal. No segundo momento foi feito um debate a partir de um roteiro
entregue para a pesquisa, onde também ocorreram os encaminhamentos e
explicações necessárias da atividade e no último momento ocorreu o júri simulado.
O tema central do júri foi o genocídio sofrido pela população indígena, foram
entregues materiais bibliográficos, indicados sites para a pesquisa e autores.
A fundamentação do júri foi um debate semelhante que ocorreu entre Bartolomeu
de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda no século XVI, logo a questão central era
a justificação ou não do genocídio indígena.
Diante de tal tema foram
levantadas questões como o conceito de civilização e de barbárie, diversas
perspectivas sobre a religiosidade, alteridade, eurocentrismo, etnocentrismo,
genocídio entre outros. Os alunos utilizaram de diversas técnicas próximas ao
fazer histórico, tais como comparação, análise de fontes diversas e análise de
discurso, pois a própria natureza da atividade propunha o debate, e essas
estratégias muito utilizadas no dia a dia de modo inconsciente, foram colocadas
em prática fazendo um diálogo entre passado, presente e futuro. A pesquisa para
a defesa do ponto de vista é outro fator fundamental para se pensar, segundo
Ciampi é necessário conhecer o conhecimento, interrogar como o conhecimento é
produzido, pois “o conhecimento é um processo não um dado pronto, acabado,
definitivo, estando sempre socialmente comprometido” (CIAMP, P. 125). Ao
realizarem a pesquisa os alunos produziram um conhecimento sobre o passado e
não apenas absorveram um dado pronto e acabado, possibilitando questionamentos
e pensamento crítico.
O júri simulado é uma imitação
de um julgamento onde os principais elementos são: o tema/pessoa que é o objeto
central da discussão, os advogados de acusação, os promotores, o júri e o juiz.
A partir desses elementos é possível impulsionar diferentes visões de mundo,
pensamento autônomo baseado em argumentos sólidos e o debate respeitoso, tudo
isso a partir da prática. Segundo Guimarães (2003) a história precisa perder o
teor adquirido desde a década de 1960, de um conhecimento excludente, onde o
aluno não se sente participante, o que no júri, devido à participação ativa dos
alunos isso foi minimizado, outro fator importante é a interação gerada entre
os alunos em prol da pesquisa e o debate, a autora afirma que o conhecimento
provém não apenas da transmissão dos conteúdos, mas desse processo relacional e
dinâmico. Entretanto é importante observar que nem todos os alunos reagem da
mesma forma, é necessário perspicácia e observação para lidar com as diversas
demandas específicas de cada ambiente, o que segundo Donald Schon (2007) é a
habilidade artística que normalmente não é ensinada nos centros de formações
institucionais.
Um elemento central para
realizar a atividade foi à preparação, o planejamento é um fator fundamental
para o ensino e deve ser valorizado. Tal questão faz surgir outro
questionamento, os professores da educação básica tem tempo de qualidade para
preparar as suas aulas?
Na aula posterior a atividade,
foi feito um questionamento de modo aberto aos alunos, o que vocês acharam do
formato da última aula? Ela contribuiu para o aprendizado de modo
significativo? As respostas foram além das expectativas, a grande maioria
participou e contribuiu de diferentes maneiras para a atividade, sendo
considerada exitosa diante dos objetivos propostos no início da atividade.
A partir de uma concepção de
educação libertadora, para além do capital, que tem como objetivo desenvolver o
ser humano como um todo, o júri simulado serviu como meio para tal fim. Gerando
questionamento, autonomia, debate, produção de conhecimento, alteridade, e
outros elementos que nos possibilitam pensar a vida.
REFERÊNCIAS
Mestrando em Ensino de História
(PROFHISTORIA) pela UFPA, Bacharel e Licenciado pela UFPA, Especialista em
História e Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes (RJ) e
Professor do Instituto Federal do Pará, campus Paragominas.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo
Afonso de. Etnografia da prática escolar.
Campinas: Papirus, 1995.
BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da historia ou o ofício do
historiador. Rio de janeiro: Zahar, 2001.
CIAMPI, Helenice. Epistemologia e metodologia: diálogos
interdisciplinares na pesquisa do ensino de história. In: NETO, José Miguel
Ariaz. Dez anos de pesquisa no ensino de história. Londrina: FINEP, 2005.
SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um
novo design para o ensino e a aprendizagem, Porto Alegre: Artmed, 2007.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de historia:
experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.
HALL, Stuart. Quando foi o pós-colonial? Pensando no
limite. In: Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais,
p. 101-131. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2 ed.
São Paulo: Boitempo, 2008.
RUSEN, Jorn. Didática – funções
do saber histórico. In: Historia viva:
teoria da historia: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília:
Editora da Universidade de Brasília, 2007, p. 85-133.
SÁNCHEZ GAMBOA, Silvio. A globalização e os desafios da educação no
limiar do novo século: um olhar sobre a América Latina. In: LOMBARDI, João Claudinei (org). Globalização, pós-modernidade e educação: historia, filosofia e
temas transversais. Campinas.
TZVETAN, Todorov. A conquista da América. A questão do
outro. São Paulo, Martins Fontes, 1983.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS:
O uso de diferentes ferramentas e meios didáticos para a exploração das aulas e da inclusão do aluno como sujeito protagonista na produção do conhecimento, são preponderantes para buscar um ensino melhor e que seja capaz de atender as necessidades dos diferentes indivíduos que compõe a comunidade escolar. Por quê ainda existem tantas dificuldades para implementar meios diferentes e mais adequados as novas demandas escolares, para ensinar nas escolas públicas?
ResponderExcluirGUSTAVO GOMES DE MEDEIROS
Oi Gustavo, obrigado pela pergunta.
ExcluirEm primeiro lugar como tentei expressar no texto é fundamental que se tenha uma concepção de educação emancipadora, sem essa concepção a educação torna-se um meio para fins egoístas e perpetuação de valores capitalistas.
Muitos são os motivos, falta de estrutura nas escolas, tempo para os professores, formação continuada entre outros fatores. Entretanto, muitos de nós nos acomodamos e precisamos voltar a enxergar a educação como o instrumento fundamental para transformação social, mesmo sabendo que não depende só de nós. Precisamos ter como objetivo não repassar um conteúdo sobre o passado mas transformar o modo de enxergar a vida, a partir daí surgiram inúmeras possibilidades de metodologias.