AGRICULTURA, AGROECOLOGIA E O DIÁLOGO ENTRE SABERES TRADICIONAIS E CIENTÍFICOS A PARTIR DA ATIVIDADE EXTENSIONISTA NO TERRITÓRIO VELHO CHICO (BA)
 Heron Ferreira de Souza*
Moisés Leal Morais*

Introdução

O processo histórico de colonização dos territórios latino-americanos foi e, em certa medida, é marcado pela subvalorização e/ou supressão das culturas, memórias, saberes, fazeres, identidade dos diferentes povos e comunidades tradicionais.

O extermínio dessas populações tradicionais e o subjulgamento / subvalorização dos seus saberes e fazeres representou (representa) a estratégia colonialista de dominação e exploração dos povos e seus territórios (recursos naturais) e colocou em curso o projeto de ocidentalização, calcado no paradigma do progresso científico e tecnológico, na urbanização (IANNI, 2009), na ideia de crescimento econômico e mais recentemente de desenvolvimento.

Disso advém três questões importantes que precisamos nos debruçar:
1) Os argumentos em torno da necessidade de adoção do modelo ocidental de sociedade e da própria concepção de desenvolvimento como algo tangível e necessário a todos os povos do planeta é um mito, conforme nos lembra Furtado (1974), uma vez que:

“A ideia de desenvolvimento apenas tem sido de utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas culturais [tradicionais], para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo”.

2) A ideia de progresso, fortemente associada aos avanços científicos e tecnológicos, assentou-se na concepção hegemônica de conhecimento científico e de ciência (ocidental) como modelo explicativo universalizado. Disso, comumente dicotomiza-se ou hierarquiza-se a produção de conhecimento a partir da “ciência moderna” e tudo que a ela se opõe não é considerado ciência ou conhecimento (CUNHA, 2007). Como nos lembra Cunha (2007), Lévi-Strauss e Evans-Pritchard através de seus estudos já afirmaram que a produção de conhecimento pelos povos tradicionais é regida sob base lógica, protocolo rígido, na busca pelo conhecer, porém o que diferencia o conhecimento tradicional do considerado científico é exatamente sua base operativa, isto é, enquanto a ciência moderna, que possui hegemonia na produção do saber, “usa conceitos, a ciência tradicional usa percepções. É a lógica do conceito em contraste com a lógica das qualidades sensíveis” (CUNHA, 2007, p.79);

E 3) O momento atual representa a crise da civilização ocidental, não apenas do capitalismo. Os sinais dessa crise civilizacional não significa o fim da ciência moderna ou sua demonização, mas a urgente necessidade de sua reinvenção a partir do diálogo sensível de saberes (tradicionais e científicos) (SANTOS, 2003; 2007). Porém, é importante salientar que o objetivo desse diálogo não deve ser validação de um saber (tradicional) por outro (científico), mas o reconhecimento e valorização de mecanismos diferentes de compreender o “mundo”, que se constitui como o lugar da vida, o espaço social e a natureza em sua indissociabilidade. E de como esses protocolos / mecanismos diferentes de entender os processos sociais e naturais podem contribuir para a ressignificação da ciência moderna no escopo de outro projeto social, que inclui formação humana e técnico-científica também ressiginificada. Como reforça Cunha,

“não se trata aqui, como muitos cientistas condescendentemente pensam, de simples validação de resultados tradicionais pela ciência contemporânea, mas do reconhecimento de que os paradigmas e práticas de ciências tradicionais são fontes potenciais de inovação da nossa ciência” (2007, p.80).

A partir desse contexto, destaca-se a importância dessa proposta de trabalhar com o diálogo de saberes – tradicionais e científico, pois também se alinha aos pressupostos objetivos da Política Nacional de Cultural no que concerne a valorização dos conhecimentos tradicionais e sua inserção na educação formal, conforme Art 2º da LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010 (BRASIL, 2010) que destaca:

“I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira;
II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;
III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais;
IV - promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções;
VI - estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional;
VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos;
VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental; [...]
X - reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores. “

Nessa perspectiva, a partir do desenvolvimento do projeto de extensão “O sertão vai virar” arte, re-encontro e diálogos: construindo versos, estórias e telas sobre conhecimentos tradicionais dos povos do Velho Chico” vislumbramos a construção de espaço para troca e o registro de  saberes tradicionais e científicos entre os povos do campo  e os estudantes da Escola Família Agrícola do São Francisco – Paratinga, vinculados ao  Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA, no Território de Identidade denominado Velho Chico, localizado no Oeste da Bahia. Com isso, buscou-se consolidar os princípios da Agroecologia enquanto ciência emergente fundamentada na compreensão da agro-socio-biodiversidade e no diálogo de saberes e fazeres dos povos do campo, mas também na necessidade de fomentar práxis pedagógicas na educação profissional do campo calcadas na dialogicidade, na experimentação, na criatividade, no respeito à diversidade.

Construindo extensão e a troca de saberes com sujeitos do campo

A partir da prática de extensão objetivou-se a articulação entre a comunidade estudantil da Escola Família Agrícola do São Francisco (EFASF), em Paratinga (BA), junto a agricultores (as) familiares, povos do campo do município de Paratinga e do Território Velho Chico, a fim de construir diálogos e trocas de saberes tradicionais e científicos sobre a convivência com o semiárido, a produção cultural e sua relação com questões indentitárias, além das atividades laborais e produtivas realizadas no campo.

A proposta de trabalho teve como pressuposto metodológico a pesquisa-ação sobre o patrimônio cultural imaterial (conhecimento tradicional) dos povos e comunidades tradicionais (quilombolas, fundo de pastos e indígenas) e assentamentos de reforma agrária do Território Velho Chico atendidos pela EFASF de Paratinga (BA), especificamente no âmbito dos estudantes do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA / IF Baiano Campus Serrinha.

Com esse propósito, delineou-se as como fases ou etapas do trabalho, sob a perspectiva da pesquisa-ação como intervenção coletiva, colaborativa e dialogada, as seguintes:

1.                A etapa inicial da pesquisa-ação:

Nessa etapa promoveu-se espaços formativos dos estudantes do PRONERA / IF Baiano Campus Serrinha, vinculados a EFASF em Paratinga (BA), para “compreensão e respeito à sabedoria popular, à maneira como os grupos populares se compreendem em suas relações com seu mundo” (FREIRE, 2001). Portanto, deu-se o foco aos princípios da Educação Popular, Agroecologia e Metodologias Participativas.

Nesse processo de formação se buscou, a partir da Agroecologia, compreender, respeitar e valorizar os conhecimentos dos povos e comunidades tradicionais e do campo, entendendo de que modo esses conhecimentos tradicionais fortalecem a Agroecologia enquanto ciência emergente, modo de vida e visão de mundo. Portanto, busca-se tensionar a descolonização do saber, em que os sujeitos históricos sejam compreendidos como produtores da cultura, visto que “cultura é toda criação humana” (FREIRE, 1981, p.109) e que o conhecimento tradicional tem sua racionalidade circunscrita no sistema de valores locais dos diferentes povos e comunidades tradicionais.

2.                A etapa de socialização e avaliação

Nessa etapa foi realizado o I Encontro de Agroecologia, cultura e saberes na Escola Família Agrícola do São Francisco (EFASF) de  Paratinga (BA), a fim de proporcionar o encontro, a troca e o diálogo entre as diferentes comunidades, povos do campo e os estudantes envolvidos no projeto.

Esse Encontro contou com o desenvolvimento de oficinas, rodas de conversa e apresentações artísticas que permitiram o intercâmbio de saberes tradicionais e científicos, além da manifestação de expressões culturais, através de grupos artísticos do Território Velho Chico, envolvendo estudantes, professores, coordenadores e a comunidade de entorno. Além disso, foi possível construir uma coleta de dados sobre práticas culturais, saberes tradicionais e modos de vida em comunidades camponesas, no passado e no presente, a partir de uma memória do trabalho ou de expressões poéticas, através das quais emergem percepções acerca das paisagens, do mundo do trabalho e das identidades no Território Velho Chico.

Essas informações foram sistematizadas e reunidas na Cartilha Agroecologia, cultura e saberes tradicionais no Território Velho Chico  que dispõe de três capítulos em que se faz uma incursão sobre a formação histórica do Território Velho Chico e os sujeitos sociais que tiveram lugar nesse processo (indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, fundo de pasto e o colonizador português); os saberes relacionadas ao labor camponês na lavoura, a partir da confluência de conhecimentos tradicionais e científicos, agricultura e agroecologia; além das representações em forma de arte, evidenciadas através de escritos poéticos, sobre a  paisagem, a diversidade e as juventudes no Território Velho Chico. A seguir apresentaremos uma síntese dessa cartilha, dado enfoque a formação territorial e saberes tradicionais que emergem no Território Velho Chico.

Formação territorial e saberes tradicionais  no Território Velho Chico

O Território Velho Chico, corresponde ao espaço que, a partir de 2007, integra dezesseis municípios baianos que estão localizados às margens do Rio São Francisco. Porém, mesmo que a delimitação e nomeação dessa espacialidade remontem a década passada, a sua ocupação está articulada ao modelo de povoamento desenvolvido no Brasil antes e depois do processo de colonização portuguesa (MDA, 2010).


Mapa 1 – Comunidades Tradicionais no Território Velho Chico
Fonte: MORAIS, Samuel, 2018.

Desse modo, a partir do século XVI, áreas que anteriormente estavam povoadas por etnias indígenas foram cobiçadas e ocupadas pela empresa colonial portuguesa, assentando-se atividades de exploração econômica no território através da criação de gado. No final do século XVII, com o advento da exploração de minas de ouro no Alto São Francisco, dinamizou-se a ocupação populacional entre o Rio Paraguaçu e o Rio São Francisco, no trajeto por onde se estabelecia uma rota do comércio de gado e o acesso para as minas auríferas (SEI, 2017).


Identifica-se no território Velho Chico a existência de povos tradicionais. São comunidades Indígenas, Quilombolas, Fundo de Pasto e Ribeirinhas cuja presença está vinculada ao processo historio da formação territorial. Ademais, são comunidades que detém um acervo de saberes tradicionais que foram transmitidos de geração em geração.

Atualmente, verifica-se, nos municípios de Ibotirama, Muquém do São Francisco e Serra do Ramalho, distribuídos ao longo do Território Velho Chico, a presença de cinco etnias indigenas: Atikúm, Kiriri, Pankaru, Pataxó e Tuxá, as quais refletem a resistência que foi construída diante do processo civilizatório mobilizado pelo colonizador português (SEI, 2018).

Com relação às Comunidades Remanescentes de Quilombos, quarenta e duas destas estão certificadas, desde 2004, no Território Velho Chico. Esse contigente encontra-se nos municípios de Barra, Brotas de Macaúbas, Bom Jesus da Lapa, Cariranha, Malhada, Moquém do São Francisco, Paratinga, Riacho Santana, Serra do Ramalho e Sítio do Mato (FUNDAÇÂO PALMARES, 2018).

Há também quinze comunidades de Fundos de Pasto situadas nos municípios de Barra, Brotas de Macaúbas e Oliveira dos Brejinhos. Algo peculiar entre seus moradores corresponde à existência de certo grau de parentesco e a prática do uso comum das áreas de caatinga para as atividades de pastoreio extensivo ou semiextensivo de caprinos e ovinos, e, em menor proporção, para a agricultura de subsistência (MDA, 2010; SEI, 2018).

É importante ressaltar que o surgimento das Comunidades de Fundo de Pasto deriva do modelo de ocupação do território colonizado pelos portugueses, uma vez que, ao preservar o litoral para o cultivo da cana de açúcar, reservava áreas extensas no interior para a pecuária. E, com a crise da produção açucareira, no final do século XVIII, a atividade pecuarista desenvolvida no interior do território também declinou. Diante desse cenário, desenvolveram-se diversos núcleos populacionais que passaram a praticar o uso coletivo das terras em que antes havia a criação extensiva de gado (ALCÂNTARA & GERMANI, 2009).

O modelo de colonização desenvolvido no Brasil pautado no  latifúndio, monocultura e o uso de mão de obra escravizada trouxe como consequência a concentração da propriedade fundiária. No  Território Velho Chico essa lógica de ocupação territorial se reproduziu. A implantação de atividades econômicas ditadas pelos interesses do elemento colonizador implicou na expulsão de povos indígenas das áreas por eles ocupadas. Mais recentemente, a edificação de Barragens e de grandes empreendimentos agrícolas, têm corroborado para a concentração da propriedade da terra no Território Velho Chico.

 Diante disso, reforçam-se as desigualdades sociais no campo, conforme dados de 2006, os quais indicam que dos dezesseis municípios que integram o Território Velho Chico, nove destes apresentam um grau de concentração de “forte a muito forte”, destacando-se os municípios de Barra, Muquém do São Francisco e Malhada. Nesse contexto, tem emergido demandas por acesso a terra e a formação de assentamentos de reforma agrária (SOUZA & RAMOS, 2010; RIBEIRO & OLIVEIRA, 2015).

Constata-se, atualmente, no Território Velho Chico, a presença de muitos empreendimentos agropecuários que fazem o uso intensivo de máquinas, insumos e implementos e o desenvolvimento de uma agricultura Comercial (SEI, 2018). Remonta a década de 1970 as obras de infraestrutura que possibilitaram o desenvolvimento de uma produção agrícola com essa característica, ao viabilizar a integração territorial, através  da construção de rodovias, como a BR 242, e pontes sobre o Rio São Francisco. Todavia, antes da consolidação desse cenário predominava a prática da agricultura de subsistência, como afirma Antonio Bertunes ao comentar que:

 “(...) de primeiro sobrevivia da roça, colhia da mesma roça e alimentava da mesma roça. (...)  E sobrevivia do peixe também, pegando o peixe e comendo” (ANTONIO BERTUNES, 2018).


Cultivava-se feijão de arranque, feijão de moita, arroz, batata, milho, abóbora e mandioca para produzir farinha e outros derivados para atender o consumo familiar durante o ano. Esse cultivo estava associado à criação de animais de pequeno porte, a chamada “criação miúda”, constituída de porcos, ovelhas e galinhas que eram utilizados para suplementar a dieta alimentar (ANTONIO BERTUNES, 2018; VAGNALDO SILVA, 2018).

Quadro 1. Glossário da agricultura tradicional


As atividades de subsistência eram desenvolvidas a partir da mobilização de saberes tradicionais. Fazia-se o uso de instrumentos de trabalho artesanais, como o furão; o preparo da terra para o plantio era efetivado com o arado  movido por tração animal; não havia o uso de adubos químicos; em áreas de uso coletivo e sem cercas realizava-se   o plantio e a criação; e a escassez de mão de obra na família era compensada com práticas de solidariedade e mutualismo através dos mutirões na lavoura.

É válido reconhecer que muitos dos saberes tradicionais relacionados aos povos do campo guardam uma estreita relação com povos indígenas e africanos que estiveram presentes ao longo da formação histórica brasileira.

Por exemplo, muitas das comunidades remanescentes de quilombo no Território Velho  Chico estão assentadas em territórios ancestrais outrora povoados pela população negra escravizada oriunda das fazendas de criação de gado e da atividade mineradora (SEI, 2018).

Há informações sobre africanos escravizados que foram destinados para a Povoação de São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande do Sul, atual município de Barra, e que a produtividade da lavoura e da criação dependia dos seus saberes (IBGEa, 1958).
Vale ressaltar que povos africanos trazidos como mão de obra escravizada para o Brasil conheciam técnicas e tecnologias relacionadas ao cultivo da cana de açúcar, arroz, banana, amendoim, além da pecuária e mineração, saberes que o colonizador português não dominava (CUNHA JÚNIOR, 2009).

Ademais, há inúmeras comunidades ribeirinhas no Território Velho Chico, situadas em municípios localizados as margens do Rio São Francisco (SEI. 2018). Tais comunidades possuem diversos saberes tradicionais relacionados, por exemplo,  à pesca artesanal, à fabricação de equipamentos para navegação e pesca, assim como conhecimentos acerca das espécies biológicas existentes no Rio   (CUNHA JÚNIOR, 2009; SANTOS & SANTOS, 2017).

Considerações finais

Podemos compreender o território como resultado e condição das relações sociais e que articula relações de poder nas dimensões econômicas, políticas e sociais entre os diferentes sujeitos (Saquet, 2011; Raffestin, 2010). Nesse sentido, tem lugar nesse processo o conflito, a luta, a resistência e a negociação. A territorialidade evidencia essa dinâmica desenvolvida no território e que se desdobram em seu movimento de des-re-construção.

No que concerne ao Território Velho Chico, a diversidade de povos tradicionais (Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos e Comunidades de fundo de pasto) que trazem consigo memórias, tradições, modos de viver e produzir a vida, ao tempo que apresentam singularidades, estabelecem, também, articulações com dimensões mais gerais da formação histórica. Portanto, muitos dos saberes tradicionais identificados  contemporaneamente no Território Velho Chico, guardam uma estreita relação com esse processo,  correspondendo ao legado de uma ancestralidade indígena e africana presente na sua formação social e econômica.


Referências
*Heron Ferreira de Souza é Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinhas (UNICAMP)  professor de Geografia do Instituto Federal Baiano – Campus Serrinha. e-mail: heronifbaiano@gmail.com  
*Moisés Leal Morais é Mestre em História regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e professor de História do Instituto Federal Baiano – Campus Catu.
ALCÂNTARA, Denílson Moreira de & GERMANI, Guiomar Inez. Fundo de Pasto: Um conceito em movimento. In: ANAIS do VIII Encontro Nacional da ANPEGE 2009. Espaço e tempo: complexidade e desafios do pensar e do fazer geográfico. Setembro / outubro de 2009; Curitiba – Paraná.  Disponível em https://geografar.ufba.br/sites/geografar.ufba.br/files/geografar_alcantaragermani_fundopasto_conceitoemmovimento.pdf [Acesso em 25 out 2018].
BRASIL. Lei Nº 12.343, De 2 De dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura - PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e dá outras providências. Brasilia, DF, dez 2010. Disponível em http://www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-8dc694fe777a [Acesso em 05 nov 2018].
CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologias africanas no Brasil. Rio de Janeiro: CEAP, 2010.
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FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros Escritos. 9.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
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____________. Perfil dos Territórios de Identidade da Bahia. Salvador: Publicações SEI, 2018.
SOUZA, Regina Celeste de A. & RAMOS, Alba Regina Neves Ramos. Rio São Francisco: Cultura, identidade e desenvolvimento. In Revista de Desenvolvimento Econômico. Ano XII. Ed. Esp. Dezembro de 2010, Salvador, BA.

Fontes orais

BERTUNES, Antonio Luis. Entrevistado por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25 de abril de 2018.
SILVA, Vagnaldo. Entrevistado por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25 de abril de 2018.
SOUZA, Zelma. Entrevistada por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25 de abril de 2018.

8 comentários:

  1. Muito bom texto, o que revela um capítulo socialmente importante para a compreender os agricultores e seus saberes no São Francisco. Sobre isso pergunto sobre o que hoje vem ameaçando a permanência desses saberes tradicionais e como os agricultores vem lutando para combater essas ameaças.

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  2. A dinamização de processos de modernização no território, principalmente a partir da década de 1970, contribui para o comprometimento da reprodução de saberes tradicionais. Tais processos influíram na alteração da paisagem, por exemplo, diminuindo a vazão de determinados rios, comprometendo a manutenção de culturas agrícolas como o arroz; assim como a mecanização agrícola, que passou a dispensar práticas de auxilio mútuo e técnicas tradicionais de cultivo do solo.

    Diante desse cenário, uma via que tem dado mostra que contribui para a permanência de saberes tradicionais tem sido o desenvolvimento de processos formativos vinculados a Educação do Campo e a Agroecologia, os quais estimulam o diálogo entre os saberes tradicionais e científicos. Algumas instituições de ensino no território tem construído uma caminhada nesse sentido. A Escola Família Agrícola do Sertão do São Francisco, no município de Paratinga, que acolhe estudantes oriundos comunidades rurais/tradicionais, é uma expressão desse processo.

    Moisés Morais


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  3. A proliferação dos pacotes tecnológicos da chamada Revolução Verde foi e é a principal garantia de estabelecer a alta dependência dos agricultores aos insumos externos à unidade familiar de produção. Tal processo se constituiu e continua sendo aperfeiçoado pela expropriação dos saberes tradicionais, disseminação de tecnologias e técnicas descontextualizadas com os ecossistemas, grupos sociais e/ou tamanho das unidades produtivas.

    À medida que o Capital se reinventa, formas de expropriação e alienação dos agricultores e agricultoras se aperfeiçoam, tornam-se mais violentas por sua sutileza. As sementes transgênicas e híbridas, por exemplo, reforçam a dependência dos homens e mulheres do campo ao “negócio da agricultura” (agronegócio / indústria de sementes). A fetichização da tecnologia no campo tem criado igualmente o problema de entendimento de qual tecnologia para que campo se faz necessário, cujas consequências têm sido desastrosas ao meio ambiente, à garantia de trabalho no campo e a reprodução dos saberes dos agricultores.

    Em síntese, o desenvolvimento técnico-científico-informacional tem atendido com eficácia aos propósitos do Capital no campo – expropriação dos povos do campo (saberes e terras), desenraizamento entre as formas de viver e produzir e a natureza, perda de criatividade e da capacidade de experimentação.

    As lutas sociais construídas têm se articulado enquanto prática social, movimento político e construção de pensamento científico, a exemplo da Educação do Campo, Agroecologia, Economia Solidária e Tecnologia Social. Cada um desses paradigmas emergentes carregam importantes elementos que ajudam a pensar a importância dos saberes tradicionais (não de forma romantizada) como “território em disputa”: a) A Educação do Campo problematiza a questão da identidade, pertencimento, projeto de sociedade e de campo construído pelos povos do campo; b) a agroecologia visibiliza o caráter complexo da produção agroalimentar, não circunscrita estritamente na dimensão produtiva, mas articulada de forma sistêmica as dimensões cultural, política, ambiental, ética, social, tecnológica; c) a economia solidária de Paul Singer problematiza outros modos de produzir, comercializar e poupar; a tecnologia social coloca em cheque o tecnocentrismo e recoloca a discussão sobre adequação sócio-técnica. Todos têm em comum os princípios da experimentação, da criatividade e autonomia em detrimento da dependência, da troca de saberes e fazeres, da solidariedade, do diálogo e da problematização das subjetivações capitalísticas (GATARRI, 1996) colocadas como lentes para um único mundo.

    As lutas construídas pelos povos do campo assentam-se e devem se fortalecer nesse duplo movimento – fazer e pensar. Ação e reflexão são essenciais para desvelar e combater as estratégias de dominação do capital fortemente calcadas nas “subjetivações capitalísticas” e nos impulsionar para outros mundos possíveis.

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  4. Olá, professor Heron e professor Moisés!

    Antes de qualquer coisa, parabéns pelo trabalho.

    Temos presenciado vertiginosas mudanças protagonizadas pelo apogeu tecnológico, a consolidação do capitalismo e a pujança da industrialização, portanto, são mudanças conflitantes da globalização e de uma identidade organizada em redes, no entanto flexível e instável. Trata-se de um “prodígio global” que se incorpora ao “local”, “abalando instituições, transformando culturas, criando riquezas e induzindo a pobreza, incitando a ganância, a inovação [...] impondo o rigor e instilando o desespero” Castells* (2013, p. 17). Primoroso ou não, esse é o novo mundo prenunciando e difundindo elementos culturais que impactam, sobremaneira, a vida, a cultura e as tradições “locais”.

    Nessa perspectiva, apresenta-se a problemática da educação nos espaços rurais, pois chegamos a alcançar um cotidiano educacional com um sistema de ensino pensado e articulado para corresponder ao discurso urbanizador, que enaltece a fusão da escola aos ideais empreendedores (redes de riqueza, tecnologia e poder), inapropriados para as populações rurais. Esse modelo desenvolvimentista da sociedade coloca o campo num plano secundário, demográfica e economicamente, gerando, então, uma situação de confronto entre as culturas rural e urbana, numa visão dicotômica na qual o urbano é a referência e o parâmetro para a homogeneização cultural.

    Dessa forma, gostaria de refletir com vocês acerca da escola da roça** que acabou sendo impulsionada a desempenhar os princípios urbanos como meta a ser alcançada, sendo concebida enquanto uma instituição que tem objetivos definidos, a partir da concepção dominante, e submetendo-se ao paradigma clássico, instituído pelo binômio superior-inferior, que foi engendrado a partir da noção de raça, que, no passado, classificou a humanidade em civilizados-primitivos, e no presente nos divide em desenvolvidos-subdesenvolvidos.

    Aguardando as contribuições reflexivas de vocês!

    Abraços!

    Antonio José de Souza

    * CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2013.
    ** O termo roça é compreendido aqui a partir de uma ruralidade particular submersa, sobretudo, na semiótica da terra.

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  5. Bom dia Antonio!

    Realmente, a forma como as propostas educacionais foram concebidas para o campo no Brasil, ao longo do tempo, refletem uma dinâmica de dominação do urbano sobre o rural. Essa dinâmica implica na formulação de uma perspectiva curricular que estimula a reprodução de saberes e valores em descompasso com o universo social, econômico e cultural camponês. Outro lado dessa mesma moeda é a vinculação do campo, e das práticas sociais existentes nele, ao signo do atraso. Nesse sentido, a possibilidade de redimir-se dessa suposta condição de inferioridade, tendo como referência o urbano, passaria pelo o processo de escolarização.

    Além disso, o desenvolvimento de processos de modernização (introdução do uso de máquinas, oferta regular de meios de transporte para centros urbanos, instalação de energia elétrica, acesso a internet etc.) vão influir decisivamente na forma como as identidades na "roça" vão ser constituídas e percebidas, uma vez que discursos urbanocêntricos associam saberes e práticas tradicionais do campo ao simbolo do atraso. Essa dinâmica contribui para promover a desintegração de elementos identitários que lastreiam visões de mundo, crenças e valores, cuja sobrevivência, de geração a geração, ocorre a partir da memória e da oralidade, através do cotidiano em espaços de trabalho e de devoção religiosa. Refiro-me aqui, por exemplo, as atividades coletivas para a limpa, plantio, colheita (adjuntórios/mutirões), assim como as rezas e os folguedos vinculados a manifestações do catolicismo popular (Santana, 2018).

    Em suma, verifico que as propostas educacionais que hegemonicamente foram implementadas no campo brasileiro, ao lado de processos de modernização em curso, podem ser compreendidas como dinâmicas solidárias no que concerne a desqualificação da cultura e formas de viver "na roça", promovendo implicações para a construção identitária dos sujeitos do campo.

    Moisés Morais

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  6. Olá, professor Antônio! Obrigado!

    Suas observações me fazem lembrar alguns autores que podem nos ajudar a pensar a problemática explicitada. Milton Santos nos lembra que a globalização é uma fábula, fantasia, pois aquilo que diz ser não é de fato o que é, uma “perversidade sistêmica”. De todo modo, cria-se e reforça-se o discurso do progresso, da modernização. Contudo, Milton Santos nos chama a atenção que o lugar não é apenas o espaço da ordem, do acontecer “imposto”, é nele que a contra-ordem, a contra-hegemonia, a rebeldia se revela e ganha corpo. Celso Furtado, por outro lado, nos provoca a pensar que nosso problema é cultural, pois em vez de assimilarmos apenas o “hardware”, potencializamos seu consumo internalizando o “software”. Isto é, nos descaracterizamos enquanto sujeitos históricos – memória, identidade, cultura, valores.

    Um dos reflexos desse movimento é “medirmos” o rural pelo urbano. O rural não é entendido por suas especificidades, características, movimento histórico, mas é a todo momento comparado ao urbano. Há um equívoco na geografia, por exemplo, em afirmar que acesso à tecnologia (televisão, refrigerador, máquina de lavar, telefone, etc.) pelas populações do campo as tornem urbanizadas. O problema a meu ver é outro: como a partir do acesso e uso das tecnologias e meio informacional se desterritorializa o vivido, a cultura, a identidade, reforçando os processos de dominação e dependência entre povos, grupos, sociedades. Obviamente que a questão posta não se refere necessariamente a forma (tecnologia), mas a seu conteúdo (e/ou sentidos atribuídos).

    Essa posição de negação do rural enquanto diverso é reforçado pelos processos homogeneizantes de escolarização que sobrepõe o urbano (“moderno”) ao rural. É exatamente nesse aspecto que encontra-se, segundo Caldart (2008), a fragilidade do projeto educacional brasileiro: “O universal tem sido pouco universal, enquanto síntese das particularidades”. (CALDART, 2008).

    Desse modo, acreditamos que a escola do campo precisa ser pensada numa visão radicalmente universal, isto é, reconheça a produção social de conhecimento, os fundamentos científicos e tecnológicos gerais, mas sobretudo tenha o lugar como ponto de partida e de chegada, seja capaz de problematizar o projeto de sociedade, de “campo com gente”, de reconhecer e valorizar a diversidade e as particularidades do campo, que seja construtora e/ou potencializadora de outros valores societais (o que não significa novos), que problematize as formas de viver, produzir, ser e pensar e possibilite aos sujeitos do campo experienciar a ressignificação entre sociedade, natureza e cultura. Ressignificar no sentido de reconhecerem e afirmarem os saberes tradicionais e ancestrais como vetores de tensionamento do projeto civilizatório do capital e anunciadores de outra compreensão de mundo.

    Em síntese, vejo que a educação do campo precisa ser assumida como um ato de “rebeldia criativa” e nós professores precisamos trocar mais experiências, saberes, fazeres; sermos capazes de experienciar, dialogar, constituir redes colaborativas; bebermos mais da economia solidária e da agroecologia.

    Embora reconheça o caráter estrutural da política educacional brasileira, precisamos assumir o currículo (enquanto concebido e vivido) como um território em disputa, como sugere Arroyo (2011), um campo de possibilidades e o lugar da contra-ordem, da rebeldia criativa. Isso exige ousadia, compromisso político, form(Ação) dos professores, além da manutenção da luta posta em curso pelos movimentos sociais do campo.

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