ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO E PARTICULAR EM DUAS PROVÍNCIAS: UM ESTUDO DE CASO (1870)
Meryhelen Alves da Cruz Quiuqui*


Palavras-Chave: Ensino secundário; Atheneu; Educação; Ceará; Espírito Santo.

Introdução
No contexto de transformações econômicas e culturais que marcam a sociedade do novo milênio com exigentes padrões tecnológicos e valorização da diversidade de gênero, étnica e cultural, a escola converteu-se em espaço de um saber em constante mutação. As pesquisas no campo da História da Educação tendem a se consolidar como lugar de reflexão dessa diversidade de experiências no tempo e abrem perspectivas para a discussão dos desafios enfrentados atualmente pelas escolas. Algumas técnicas naturalizadas como a separação em classes, intervalos de recreio, a segmentação do ensino, dentre algumas práticas, pode ser problematizada a partir do levantamento no passado de sua implantação. Ao considerar historicidade de fazeres e saberes, as fronteiras da história vivida, da história escolar e da história acadêmica podem se transformar em espaços de diálogos e reflexões.

Produções no âmbito da História da Educação secundária focaram no estudo do Colégio Pedro II, instalado no Rio de Janeiro e sob administração da Corte Imperial, relegando as outras instituições como simples cópias. Produções historiográficas resentes apontam para o crescente investimento nas problematizações da história das instituições escolares, da produção dos sujeitos escolares, de modelos pedagógicos produzidos e postos a circular pelas províncias, das disciplinas escolares e da formação de professores secundário. Essa última temática, cara à historiografia da educação, tem ganhado fôlego. A partir de estudos apoiados em diversos tipos de documentos, pesquisadores buscam compreender as condições em que foram produzidas as representações sobre a docência realizando um intenso diálogo entre o passado e o presente.

O presente trabalho busca, assim, ponderar a maneira com as quais os jornais capixabas e cearense se referiam ao colégio secundarista da região analisada, ou seja, qual era a visão da sociedade sobre a instituição. Procuraremos identificar se o fato de uma instituição ser pública e a outra particular, interferia nas notícias publicadas pelos redatores.

Contexto histórico
Escolhemos analisar a década de 1870, por ser um período de intensa modificação política, científica e cultural no Brasil. Jose Murilo de Carvalho (2011), explica que a década aqui discutida foi marcada pela divulgação do Manifesto Republicano que trouxe uma nova ideia para a política brasileira. Sobre a educação Carvalho argumenta que esse setor, apesar de não o centro das discussões, que girava em torno de qual seria a melhor forma de administrar o Brasil, não foi deixado de lado pelo novo grupo político que surgia já que inúmeras palestras públicas sobre o assunto foram realizadas pelo governo imperial. Angela Alonso (2002) argumenta que os últimos anos no período imperial foram marcados pelo surgimento de novas ideias, que pretendia contradisser o status quo imperial. A área educacional, para a geração de 1870, tinha como objetivo civilizar os homens, pois a ascensão social ocorreria por meio do ensino escolar, formando assim uma elite política graduada. Para Maria Tereza Chaves Mello (2009), as novas ideias podem ser percebidas nos jornais, que empregavam termos como democracia, futuro, igualdade, razão e ciências em suas notícias. Assim, entendemos os anos de 1870 como um período de intensa transformação.

Sobre a cultura escolar, utilizaremos as ideias de Dominique Julia (2001), que a defini como um conjunto de normas e práticas que determinam conhecimentos e ensinam condutas, é, portanto, impossível estudar a história das instituições de ensino sem levar em conta as relações – culturais, políticas, econômicas e religiosas. Nesse quadro, a figura dos professores não pode ser deixada de lado, pois eles são convocados a obedecer a essas ordens e utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação.

Júlia (2001) também argumenta que existem três eixos para entender a cultura escolar, um deles é a avaliação do papel desempenhado pelo educador. Assim, no final do processo educacional sempre é o docente que escolhe o que será ensinado, pois ele não é uma simples massa de manobra – apesar das inúmeras leis e regimentos que comandam a escola, mas vale ressaltar que cabe ao aluno a oportunidade de intervir no planejamento das aulas, pois é a mudança de público que impõe a mudança dos conteúdos.

Assim, a cultura escolar não pode ser pensada como uma ‘coisa’, como um programa ou curso de estudos e, sim, como um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente reconstruído – envolve aspectos técnicos, estéticos, éticos e políticos – respondendo tanto ao nível individual/pessoal como social. Ou seja, envolve compromissos relacionados ao discurso político e ideológico, às políticas de Estado, ao conhecimento que é ensinado nas escolas, às atividades diárias de professores e estudantes nas salas de aula e, de como entendemos tudo isso. Nesse sentido, não são compromissos que se dão entre ou no meio de iguais. Ela não é alguma coisa que se traduz num movimento estático, e sim dinâmico: entre estratégias e táticas; entre espaço e lugar – a vida é dinâmica; a vida da escola é dinâmica. Então, pensar no ambiente escolar significa pensar uma cultura que se reorganiza cotidianamente, que se faz e refaz, entre estratégias e táticas cotidianas, e que se reconstrói a cada dia, a cada momento, considerando o conjunto de educadores que se apropriam dele. A cultura da/na escola tem uma representação oficial, mas também se apresenta em sua materialização cotidiana de cada escola, num movimento das táticas, “lance por lance” (CERTEAU, 1994, p. 100).

Sobre as fontes utilizadas, esse trabalho pautará nos jornais em circulação pelas províncias do Ceará e Espírito Santo na década de 1870. Para o tratamento dessas fontes é essencial à análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2004). A autora (2004, p.15) ao descrever a importância da metodologia da análise de conteúdo, assevera que a apreciação estatística comungada a categorização - a técnica de classificação de elementos por diferenciação a partir de um conjunto e pelo seu posterior reagrupamento em pequenos grupos - permite a melhor apreensão da realidade, já que oferece uma técnica sistemática de objetividade do material analisado e uma apreensão clínica do conteúdo. Nessa perspectiva o paradigma indiciário, metodologia desenvolvida pela escola histórica italiana, também auxilia no trabalho com as fontes, pois torna possível a investigação dos pequenos indícios fornecidos pela documentação e a percepção da atuação política e cultural dos colégios analisados nas terras capixabas e cearenses.

Sobre o uso dos jornais como fonte histórica, Tania Regina de Luca (2008), argumenta que até a década 1970 ainda havia uma aversão por parte dos historiadores quanto a sua utilização. Essa modificação terá início com a Escolas dos Annales, em 1930, ao realizar uma renovação temática no campo da pesquisa histórica (LUCA, 2005, p. 113). É evidente a relevância dos periódicos para o desenvolvimento historiográfico, já que por meio da imprensa escrita podemos compreender melhor alguns hábitos e condutas de uma dada sociedade. Os jornais do século XIX podem servir como fontes para a pesquisa dos costumes e dos locais de sociabilização no meio urbano do Brasil (BEZERRILL, 2011). Assim, por meio da linguagem jornalística de duas sociedades distante geograficamente no Oitocentos, analisaremos duas instituições secundárias que tinham o mesmo nome: Atheneu.

A impressa escrita
Para Régia Agostinho Silva (2011), o final de 1870 no Ceará, foi marcado por uma grave seca, que prejudicou a economia provincial e abalou o discurso progressista. Em relação ao Espírito Santo, Karulinny Silveiro Siqueira (2016) argumenta que essas novas ideias em voga no Brasil Império também chegaram. Até 1870, não existiam claras manifestações contra o poder imperial. O radicalismo presente na Corte não atravessou as fronteiras provinciais até esse momento. Esses pensamentos reformistas somente encontraram terreno propício quando as novas gerações de políticos e intelectuais, formados na Corte, retornaram para a terra natal e encontraram um mercado literário mais amplo que na década anterior.

O Atheneu Cearense foi criado em 1863 para formar a elite intelectual de Fortaleza, que poderia pagar pelos estudos, e fechou as portar 23 anos depois, em 1886. De acordo com Karolynne Barrozo de Paula e Antonio Germano Magalhães Junior (2012), a instituição se destinava a educação religiosa e preparatória para o ingresso nos cursos superior do Império, admitindo alunos internos e meio pensionistas de todas as faixas etárias. Em sua grade curricular, de acordo com os autores citados anteriormente, podemos observar matérias ligadas aos estudos humanísticos, como a língua francesa, latim, geografia e história.

Analisando os jornais em circulação na província do Ceará, foram localizados três que fazem menção ao Atheneu: A Constituição, Pedro II e O Cearense. O primeiro jornal de dedicou a publicação de anúncios a pedido do colégio, relacionados a mudança de endereço e período de matrícula. Já os redatores do periódico Pedro II teceram alguns comentários obre o colégio em suas páginas, mas todos sempre elogiosos. Nesse jornais foram localizadas a manchetes sobre o bom comportamento dos alunos que chegaram a receberam distinção de mérito (1872, ed. 90, p. 2); em outro momento argumenta que o colégio é bem construído e conservado debaixo das regras da boa higiene, sendo falsa a notícia de que dezessete alunos estavam acometidos por beribéri (1872, ed. 195, p. 2); assim como anuncia que a instituição foi transferida de local, provando que a direção não tem poupado esforços para manter o estabelecimento com as proporções exigidas para a “distinta função educacional”, continuando merecedor de todo reconhecimento do público cearense e louva, ainda, ao colégio por instalar aulas noturnas gratuitas para os “desvalidos”, como o objetivo de ensinar a ler e escrever.

O terceiro jornal mencionado, O Cearense, também redigiu comentários positivos sobre o colégio, pois na opinião dos redatores era louvável, por exemplo, a criação Sociedade Manumissora, por parte do colégio, que tinha como função libertar escravos (1871, ed. 111, p. 1). Em outro momento o jornal destaca uma fala do diretor, ao entregar prêmios para os alunos que mais se distinguiram pelo comportamento e estudo, sobre as péssimas condições que estava a instrução pública fazendo “judiciosas considerações” (1871, ed. 138, p. 1), assim como felicita a instituição pela contratação de um professor, que aos olhos dos redatores, era uma excelente aquisição (1873, ed. 43, p. 2); no 13ª aniversário da instituição houve uma festa que compareceram as mais brilhantes famílias da cidade, congratula pelos bons serviços prestados a instrução e que merece a confiança e simpatia dos que sabem prezar a civilização (1876, ed. 96, p. 3). Por fim, cabe destacar a mensagem impressa no jornal, sobre outra na festa de distribuição de prêmios, que por meio dela pode-se perceber o desenvolvimento intelectual dos jovens ao realizarem discursos e declamações de poesias, diz ainda que o colégio é perfeitamente montado e dirigido com zelo e habilidade.

Já o Atheneu foi instalado em Vitória capital da província do Espírito Santo em 1873 pelo governo provincial, com a missão de preparar a juventude capixaba para o ingresso nos cursos superiores espalhados pelo Brasil (SIQUEIRA, 2016). Mesmo sendo uma instituição pública, o ensino não era gratuito, já que era cobrado um valor para matrícula dos estudantes. Convém destacar, que o ensino ministrado pelo educandário capixaba também era pautado no discurso humanístico de ensino, em que as matérias de latim, francês e língua portuguesa tinha supremacia sob as áreas ligadas ao ensino científico.

Na década de 1870, as principais queixas dos redatores e cidadãos que publicação nos jornais eram o mal comportamento de alguns alunos e pelo fato dos professores terem mais de uma função pública, questão impedida por lei. Sobre os alunos, foi publicado a baderna realizada em praça pública, que recebeu advertência do Presidente da Província (A Actualidade, 1878, ed. 64, p. 8). Tal confusão dizia respeito as caricaturas, que tinha como tema os professores e funcionários da instituição, feita pelos alunos e pregadas em ruas da cidade. Em outro momento, um jornal publicou uma série de notícias sobre a acumulação de cargos públicos pelos professores (O Espírito Santense, 1876, ed. 1, p. 3). Mas o mesmo jornal que criticava, também elogiava em outros momentos. Um ano antes que criticar a acumulo de cargos pelos professores, O Espírito Santense (1875, ed. 8, p. 4) enalteceu os profissionais,  argumentando que com a organização escolar estabelecida pela administração, tornado os alunos “discípulos distinto”, a comunidade capixaba já estava colhendo os frutos e os esforços seriam compensados com a gloria de encontrar na futura inteligências do Espírito Santo “essas luzes”, ou seja, na instituição estavam sendo formada os futuros dirigente da província.

Analisando as notícias vinculadas pelos jornais estudados observamos que o Atheneu Cearense não recebeu nenhuma crítica dos redatores e da população, na seção destinadas as publicações “A pedido”, apesar de diversas figuras importantes terem estudado na instituição como: João Guilherme Studart, Clóvis Beviláqua e Capistrano de Abreu. Talvez essa falta de crítica se referia aos status religioso do colégio, que publicava constantemente as reuniões para a celebração da primeira comunhão dos alunos, e o fato dela ser particular e não sofre interferências do poder político provincial. Já a instituição pública capixaba recebeu diversas críticas e elogios dos jornais capixabas, apesar dos alunos serem formados pela elite regional. As críticas sempre envolviam discussões políticas entre liberais e conservadores, atingindo a direção escolar e professores. Até mesmo quando os alunos recebiam críticas dos jornais e da população. 

Referências Bibliográficas
*Mestranda em História e integrante do grupo de pesquisa “Laboratório de História, Poder e Linguagens”, ambos ligados a Universidade Federal do Espírito Santo e sob orientação da Profa. Dra. Adriana Pereira Campos. E-mail: merycalves@gmail.com.

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SIQUEIRA, Karulliny Silverol. O Império das repúblicas: projetos políticos republicanos no Espírito Santo, 1870-1908. 2016. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.

Um comentário:

  1. Meryhelen achei instigante sua pesquisa. Analisar a cultura escolar através de jornais de época. Estou fazendo levantamentos sobre a cultura escolar na década de 1910 em uma cidade de Minas Gerais, porém a documentação em jornais é escassa. Sucesso em seu trabalho.

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