JORNAIS: AS DIFERENTES UTILIZAÇÕES DESTA FONTE E A LUTA PELA CONQUISTA DE DIREITOS DAS MULHERES A PARTIR DO JORNAL O SEXO FEMININO NO SÉCULO XIX
Carolyn Santiago pinheiro¹

Introdução:

Para que um historiador possa estudar e analisar um período, é necessárias fontes/documentos do período que se deseja estudar; essas fontes não exprimem necessariamente a verdade sobre o período, elas podem ser manipuladas por quem as escreveu, mas será possível ser feita uma análise sobre o período e quem as escreveu e porque escreveu aquilo desta forma. Os jornais se mostraram uma fonte muito rica sobre os anos nos quais foram escritos, a partir deles pode-se analisar o contexto de surgimento deles, para que e quem eram voltados as seções e o próprio jornal, por quem eram feitos, e partir muitos outros questionamentos desse único tipo de documentação.

Como um meio de comunicação muito eficaz, os jornais eram utilizados para além de apenas informar e levar noticia aos leitores, era usado também para propagar ideias, fazer reivindicações e serviu de instrumento para dar voz a grupos que eram silenciados e a ideias que muitas vezes, iam contra a ideia da maioria.

Nesse trabalho será discutido a primeira edição do jornal O Sexo Feminino, fazendo uma análise partindo da perspectiva de gênero e ao fim, será apresentado uma proposta didático pedagógica da utilização da fonte em sala de aula.

Jornal O Sexo Feminino:

Jornal “ O sexo feminino” da cidade da campanha, 7 de setembro de 1873, número 1; possui quatro páginas. Em sua primeira página o jornal traz suas informações básicas, como título e subtítulo.

“A primeira página continha informações como: título do jornal, local de origem, número correspondente à semana, o ano, o preço, a data, o nome da redatora. Após o nome do jornal, em todas as edições figurava o subtítulo que indicava o seu público principal: “Semanário dedicado aos interesses da mulher”. E também uma epígrafe que se repete em todos os números: É pelo intermédio da mulher que a natureza escreve no coração do homem.” (RIBEIRO et al., 2007)

No decorrer da página, traz uma matéria sobre a educação da mulher, onde critica a educação voltada para o lar e o tratamento dado a mulher. Na segunda página, há uma nota tratando sobre a independência, em tom de comemoração aos 51 anos da independência; com o tom ufanista, a autora rememora este dia e associa a independência do brasil, com a independência das mulheres, que agora, se fazem ouvir na imprensa, através do jornal. Ainda na mesma página, há um espaço onde contém a notícia que as jovens da cidade poderão estudar em uma escola normal, e as matérias serão gramatica, aritmética, história, geografia, entre outras, e segue a lista de normalista que frequentarão a escola até a página seguinte, onde ao final da lista, é dado algumas informações sobre a escola e a autora trata sobre a importância das mulheres estudarem para ser professoras e saírem da educação restrita ao lar. Logo em seguida, há a seção que contém uma música, seguida de uma seção com um texto sobre religião, e abaixo, há o noticiário, onde está escrito sobre a aprovação de uma mulher para reger interinamente uma escola pública; e abaixo, há a seção de avisos.

Esse periódico se iniciou em um momento que já havia jornais dedicados às mulheres, porém, eram editados e comandados por homens. Até mesmo em um cenário internacional, pode-se ver que o imaginário era o da mulher frágil voltada para o lar e para a família, o que fez com que as mulheres enfrentassem resistência, assim como no Brasil.

“Nesta época, um jornal de mainstream, o The New York Sun, publicou uma crítica severa ao The Revolution, sugerindo que a senhora Staton “prestasse um pouco mais de atenção aos seus deveres domésticos e um pouco menos para os assuntos de interesse público”. (CASADEI, 2011)

A sociedade, ainda nos dias atuais, é estruturalmente patriarcal; no século XIX o papel da mulher era quase que único e exclusivamente circunscrito ao lar. Em um período em que a mulher era criada apenas para ser dona de casa, esposa e mãe, onde a educação que lhe era dada se restringia ao lar, não possibilitando a mulher ter um emprego e até mesmo ser vista como cidadã e pessoa, quando era vista sempre como posse do pai ou marido.

Maria Beatriz Nizza da Silva retrata a condição da mulher casada, no brasil do século XIX, a qual era restrita ao lar e a família:

“(...) a mulher devia obediência ao marido; os filhos deviam obediência ao pai de preferência à mãe; o marido e pai não podiam eximir-se de pagar o sustento da família, fossem quais fossem as suas razões para querer se separar dela. A conduta da mulher obedecia a um controle muito rígido: bastavam umas saídas a passeio para que fosse dada como “perdida”, ao passo que a conduta do marido era sempre encarada com benevolência, fosse ele briguento, bêbado ou amancebado. O recolhimento era a pena com que os poderes públicos puniam a má conduta das mulheres. ” (apud NASCIMENTO; OLIVEIRA)

 A proprietária e redatora Francisca Senhorinha da Motta Diniz do periódico O sexo feminino, aproveita esse espaço público, segundo Ribeiro, que era o jornal, para “para disseminar ideias sobre a educação e a emancipação femininas” (RIBEIRO, 2007), ela e suas colaboradoras, as quais na maioria eram mulheres letradas da elite, “tinham como motivação comum a melhoria da condição da mulher na sociedade” (NASCIMENTO, OLIVEIRA, 2007). Como é possível notar na primeira sessão no jornal, a qual aborda um tema sobre a educação feminina, onde ela diz que no lugar de mandar as filhas aprenderem a varrer, cozinhar, lavar, devem ensinar história, gramática, filosofia. Critica a forma que a mulher é vista, como um “traste de casa”, expressão que a redatora usa. “A condição a que estava submetida a mulher brasileira, durante o século XIX, era de repressão e submissão, crítica presente em O Sexo Feminino” (NASCIMENTO, OLIVEIRA, 2007)

Tratando sobre educação, falando sobre a liberdade e direitos da mulher; logo em sua primeira edição, o periódico já mostrou seu objetivo e em que acredita e defende. Francisca Diniz já culpada os homens pela educação precária dada às mulheres e pela forma como eram tratadas.

“O seculo XIX, seculo das luzes, não se findará sem que os homens se convenção de que mais de metade dos male que os oprimem é devida ao descuido, que elles tem tido da educação das mulheres. e ao falso supposto de pensarem que a mulher não passa de um traste de casa” (Jornal O Sexo Feminino, 7/9/1873:1)

A luta pela emancipação das mulheres também era associada a independência, como se pode ver na segunda página do periódico. Nessa seção, é comemorada os 51 anos da independência, a escrita é ufanista e mostra muito orgulho ao falar do ocorrido. Ao utilizar essa data para a publicação do primeiro periódico, Francisca Diniz correlaciona a independência do país com a independência da mulher, como se pode ver a seguir:

“Pois bem, esse dia marcará tambem em nossa historia pátria uma época não menos memoravel – a independencia da mulher, cujo echo se faz ouvir na imprensa por um órgão – O Sexo Feminino. E pois,
Viva a independencia do nosso sexo!
Viva a instrucção da mulher!
Vivão as jovens campanhenses!”
(Jornal O Sexo Feminino, 7/9/1873:2)

O jornal O Sexo Feminino foi de fundamental importância para que, aos poucos, novos espaços no mercado de trabalho fossem reivindicados pelas mulheres; defendia a emancipação das mulheres, o desenvolvimento de todas as suas potencialidades e a educação adequada e de qualidade para mulheres. Diante do discurso da diferença entre os gêneros, e de uma posição de superioridade do homem “Francisca Diniz se coloca em igualdade com os homens, questionando a construção da mulher como sexo frágil” (RIBEIRO et al., 2007). Ao analisar esse período, não se pode ignorar a existência desse – e de outros – periódico, uma vez que ele se mostrou de fundamental importância na compreensão a partir de uma perspectiva de gênero

Proposta didática pedagógica:

O jornal é uma ótima fonte para se entender uma sociedade e os processos que ela sofreu; O Sexo Feminino, é um jornal que mesmo sendo do século XIX, algumas questões ainda perpassam no nosso cotidiano. Tendo em vista que o assunto gênero é de suma importância e pouco abordado, minha proposta, para a turma do ensino médio, é levar a imagem do jornal para sala de aula, e entender o Brasil Império a partir da mulher, colocar a mulher como ponto central na discussão. Tendo como um dos objetivos fazer os alunos refletirem sobre o porquê uma mulher não poderia comandar um jornal e trazer a reflexão para os dias atuais, pois ainda hoje, se pensa em homens quando se é mencionado cargos de liderança. Como Adichie escreve, e levando para o século XIX, se as mulheres não começassem a tomar os cargos de liderança nos jornais, continuaria sendo considerado normal os cargos serem ocupados apenas por homens:

“A professora disse que o monitor seria um menino. Ela havia se esquecido de esclarecer esse ponto, achou que fosse óbvio. Um garoto tirou a segunda nota mais alta. Ele seria o monitor. [...] Se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela se torna normal. Se só os meninos são escolhidos como monitores da classe, então em algum momento nós todos vamos achar, mesmo que inconscientemente, que só um menino pode ser o monitor da classe. Se só os homens ocupam cargos de chefia nas empresas, começamos a achar “normal” que esses cargos de chefia só sejam ocupados por homens. ” (ADICHIE,2015)

Para além de apenas uma discussão, uma proposta de atividade seria os alunos pegarem jornais atuais e analisarem a nossa sociedade a partir deles, desta forma, eles poderão visualizar e ter uma maior compreensão, pois o assunto e forma que está sendo trabalhada vai estar se adequando a realidade dos alunos, e trabalhará fonte em sala de aula, ensinando os alunos a analisar e ter um pensamento crítico acerca das mesmas.


Referências bibliográficas:

Carolyn Santiago Pinheiro graduanda em Licenciatura em História na Universidade Federal do Pará

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: um manifesto, São Paulo: Cia das Letras, 2017.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas, São Paulo: Cia das Letras, 2015.
CASADEI, Eliza Bachega. A inserção das mulheres no jornalismo e a imprensa alternativa: primeiras experiências do final do século XIX. In: Revista Alterjor, v.1, ed.3, 2011
COSTA, Emília Viotti. Políticas de terras no Brasil e nos Estados Unidos. In:___. Da monarquia a república: momentos decisivos. 7ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p.169-193.
NASCIMENTO, Cecília Vieira; OLIVEIRA, Bernardo. O Sexo Feminino em campanha pela emancipação da mulher. In: Cadernos Pagu, n. 29, 2007, p. 429-457,
RIBEIRO, J. P. et al. Líderes, pioneiras e sonhadoras: o sexo feminino (1873-1889) em busca da emancipação. In: Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar. Anais eletrônicos do V EPCC. Maringá, 2007.

3 comentários:

  1. Primeiramente, Carolyn quero deixar os parabéns pela comunicação apresentada. Além disso, concordo que esse jornal foi um dos pioneiros na luta pelos direitos das mulheres. Visto que, nesse período a maioria dos outros meios de comunicação estavam dedicados a retratar a mulher apenas como uma pessoa que deveria ficar em casa e cuidar da família. Os chamados jornais do "Bello Sexo" são algumas referências sobre esse tema. Posto isso, recentemente escrevi um pequeno texto que trabalha justamente essa questão. Se você tiver interesse aqui está o link: http://revistas.ufac.br/revista/index.php/jamaxi/article/view/2209/0

    Atenciosamente,
    Edivaldo Rafael de Souza

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  2. É interessante pois não era apenas um jornal voltado ao público feminino que não era um assunto voltado ao lar e à beleza, e sim lutava pelo direitos femininos, como estudar, mas também era um jornal o qual a dona era uma mulher, em um meio majoritariamente ocupado por homens, e isso traz uma representatividade. Agradeço o seu comentário e a indicação do texto, é um assunto interessante, e certamente será uma leitura muito proveitosa.

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