NAS CERCANIAS: GENTE, PAISAGEM E OCUPAÇÃO EM TERRAS ANANI (PARÁ, SÉCULO XIX)
Paulo Henrique Santos – Bolsista PIBIC/CNPq
Francivaldo Alves Nunes - Orientador

Ao falar de uma região tão rica quanto a amazônica, pensar a forma como as ocupações de terra foram submetidas é de enorme importância, pois, desse modo, é possível compreender as mudanças socioambientais de várias maneiras e relacioná-las à atualidade. Feito isso, essa pesquisa gira em torno de espaços rurais, porém, de modo onde encontramos o foco na constituição de propriedade rural, ou seja, na forma como se deu essa posse de terra e sua origem. Para se trabalhar com esse tema, é necessário, pelo historiador, um levantamento documental analisando os meios de apropriação de terra e, neste projeto, nossa proposta foi fazer o levantamento de documentos que abrangem esse meio e que estão associados à possibilidade de estudos sobre os aspectos fundiários da província do Pará como: Inventários, relatos de viajantes, correspondências governamentais e documentação cartorária. Como já foi dito, o foco, especialmente voltado para terras nas cercanias de Belém, como exemplo, Ananindeua.

“Localizado no Nordeste do Estado do Pará, o município de Ananindeua, atualmente se apresenta como um espaço marcado por “acúmulo de tempos” [...] e convergências de modos de vida que se relacionam conflituosamente e/ou solidariamente. Em outras palavras, podemos pensar que as diversas temporalidades, modos de vida, espacialidades, densidades, velocidades e lógicas convivem e, portanto, expressam uma configuração territorial complexa, singular e ao mesmo tempo plural, bem como também embotada de intersujetividades rurais-urbanas”. (RODRIGUES; SOBREIRO; OLIVEIRA, 2017, p. 2).

Marcada pela enorme cobertura vegetal em que predominavam a árvore Anani, uma árvore que produz a resina de cerol utilizada para lacrar as fendas das embarcações. Esta planta era encontrada, principalmente, nas margens dos igarapés do Una, Aurá e rios Água Preta, Maguarí-Açú e Uriboquinha, que cortavam a região.

Leituras sobre Ananindeua

Para retratar um pouco da experiência com a pesquisa, vale ressaltar o levantamento bibliográfico que foi de enorme importância para buscar referências sobre os trabalhos já feitos, retratando alguma questão do município da árvore Anani, principalmente visando o material feito por historiadores, antropólogos, cientistas sócias, entre outros. Um dos trabalhos que auxiliaram bastante é o do turismólogo Adrielson Furtado, um blog feito para comentar vários temas sobre Ananindeua, principalmente os pontos turísticos e também a sua história. A partir desse site foi possível ter em mente um pouco do que se poderia encontrar nas fontes dos acervos, já que até mesmo sobre a via-férrea de Bragança o autor postou material.

Outra questão que chama atenção no blog é um texto sobre a fundação de Ananindeua, que, para Adrielson Furtado (2011), teve seu início em uma das comunidades mais antigas, se não a mais antiga do município, que é a comunidade quilombola do Abacatal. No caso, destaca:

“No período colonial vários sítios e povoados são formados às margens de rios e igarapés (Guamá, Capim e Moju) por homens livres, brancos, cafuzos, índios e mamelucos. No século XIX, a população rural era representada por 45% de negros, fixados em fazendas, engenhos, pequenas vilas e na cidade. Na origem histórica de Abacatal há dois protagonistas: o Conde Coma de Mello e a escrava Olímpia, segundo informações orais das atuais gerações, da união desses dois personagens em 1790 nasceu uma menina. O senhor de escravo não tinha filhos e reconheceu as três filhas que teve com a escrava Olímpia deixando como herança as terras do Abacatal” (FURTADO, 2011, p. 3).

Desse modo, o autor retrata uma possível teoria sobre o início de Ananindeua, porém, ainda não foi encontrado registros sobre o Conde Coma de Mello para analisar com mais propriedade essa ideia. Este sujeito também é mencionado em sua dissertação “Ananindeua e a sua identidade cultural”, de 2006. Assim como boa parte dos autores analisados durante a pesquisa, Adrielson Furtado utiliza fontes orais para estabelecer seu trabalho sobre o Abacatal, já que é uma comunidade que não possui muitos registros documentais do seu período de fundação, apenas a história repassada de geração em geração. É possível notar grande interesse dos acadêmicos em gerar conteúdo sobre essa comunidade pouco conhecida pelos moradores do centro de Ananindeua e Belém.

O interessante é ver que essa quantidade de trabalhos sobre a comunidade do Abacatal, não é apenas concentrada só na área da História ou Turismo, e sim de várias áreas como agronomia, engenharia florestal, saúde etc. Sendo que, todas buscam trazer cada vez mais olhares, seja para melhorias como saneamento, cuidados diários com os trabalhos ou até mesmo na preservação do ambiente.

Quanto ao que cabe à historiografia, não foi possível encontrar muitos trabalhos feitos retratando essa temática sobre o município de Ananindeua, ainda que haja livros escritos sobre a estrada de ferro e a comunidade do abacatal, como o do historiador José Leôncio Siqueira “Trilhos: o caminho dos sonhos” (2008) e o da Socióloga Edna Maria Ramos de Castro e Rosa Cevedo Marin “No caminho de pedras de Abacatal: Experiência social de grupos negros no Pará” (2004). Observa-se uma necessidade de trabalhos que retratem a fundação e desenvolvimento populacional/urbano no âmbito da historiografia.

Documentação cartorária

No que se refere a pesquisa documental, foram vários inventários analisados buscando vestígios no processo de posse de terras na região foram identificados, como exemplo:

- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1843/44 de Olavo Marthius e Maonel Caxias de Souza.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1846/47/48 Elídio Felgueira Nascimento.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1851.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1853/54/55.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1859 de João Manoel Batista.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1859 de Capitão Manoel Monteiro de Azevedo.
- Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, 1860/61/62, João Ferreira Guimarães
- Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, 1872 de Elíbia Eufrosina Corrêa de Miranda.


Figura 1: Inventário do século XIX, 1884.
Fonte: Acervo dos autores, 2018.

Essas documentações foram encontradas a partir do Centro de Memória da Amazônia, no ano de 2017. Um dos pontos interessantes entre os sujeitos mencionados vem por meio de terras repassadas para herdeiros em seus documentos. Como exemplo, o capitão Manoel Monteiro de Azevedo que registrou em seu testamento o repasse de suas propriedades para a sua filha Francisca Monteiro de Azevedo em 1859. Este mesmo caso se repete com o senhor João Ferreira Guimarães, dono de muitas terras pela província do Pará.

Essas terras, a partir de trabalhos como “A Estrada de Ferro de Bragança” do professor Ernesto Cruz (1955), eram não muito utilizadas ou visitadas por seus donos, a região da árvore Anani ainda era um pouco vaga de habitantes, claro, não afirmando com toda certeza, pois como Furtado (2006) veio a comentar, houve uma grande contingência de ribeirinhos que se alocaram na região enquanto se refugiavam dos conflitos da Cabanagem. Porém, o que movimentou o futuro município, de fato, foi a construção da estrada de ferro, que teria transido vários olhares já que seria uma região de tráfego importante para o centro da província.

“No século XIX ocorreu um processo de ocupação de áreas ao Norte do atual Município de Ananindeua por caboclos ribeirinhos, no perímetro onde se localiza hoje os Bairros do Curuçambá e Distrito Industrial” (SEROTHEAU, 2012).

Naquele momento, as formas de uso e apropriação do respectivo espaço estavam atreladas a uma dinâmica ribeirinha, a lógica do valor de uso em detrimento do valor de troca, bem como à preponderância de ruralidades, sobretudo vinculadas as atividades extrativistas, caça e pesca. O período que compreende entre o final do século XIX até a primeira década do século XX configurou um momento de transformações no território amazônico, com reverberações onde hoje corresponde ao município de Ananindeua.

O “boom” da atividade da borracha na Amazônia, sobretudo a partir do final do século XIX, fortemente estimulado pelo processo de crescimento acelerado da indústria automobilística nos países desenvolvidos, contribuiu significativamente para induzir uma divisão territorial do trabalho na Amazônia e incorporação de novos sistemas técnicos no território amazônico (WIENSTEIN, 1993).

É dentro deste contexto que na escala do território paraense ocorreu o impulso extraordinário na urbanização da capital paraense, fato que resultou em elevado crescimento econômico e demográfico na cidade de Belém, com aumento das demandas por produtos agrícolas (PENTEADO, 1967). (RODRIGUES; SOBREIRO; OLIVEIRA, 2017, p.265).

Desse modo, fica visível a influência dessa construção tanto para a região amazônica quanto para o desenvolvimento populacional de Ananindeua. Além disso, um dos fatores interessantes para o desenvolvimento populacional, de acordo com Emmi (2010), foi auge da exploração da borracha onde se foi visto um enorme fluxo migratório aos redores da província, tanto por nordestinos quanto pelos portugueses no encaminhamento final do século XIX.

O contato com este tipo de leitura nos possibilitou uma outra perspectiva na análise documental, passando a buscar vestígios sobre essas informações. Ainda é possível agregar a questão os relatos de viajantes. Outra questão a agregar são algumas imagens de expedições de estrangeiros na Amazônia, que ainda buscamos maiores informações sobre os perímetros que estes sujeitos circularam, pois são várias imagens do século XIX onde se pode perceber a presença de seringueiros, indígenas e a mata.

Outras considerações

A partir dessa pesquisa percebemos mais ainda o quão importante pode ser a produção de materiais que envolvem esse município de Ananindeua. Estes breves estudos têm se refletido no ensino de História, onde os alunos pouco recebem informações sobre o município, algo que seria muito importante para a valorização da história da região.

Trabalhos como o do turismólogo Adrielson Furtado são de grande relevância, assim como o da comunidade acadêmica de Ananindeua que ultimamente vem buscando trazer esse debate em pauta. Neste aspecto, não basta centralizar esse conteúdo apenas para a academia, é necessário levar para a população, principalmente ananindeuenses, seja por meio das escolas ou rede mundial de computadores.

Um dos interesses com esse trabalho também é a futura produção de um material didático como proposta para o ensino básico das escolas do município, assim como e-book produzido pela professora e alunos da escola municipal São Paulo que traz alguns contos amazônicos mesclando com figuras representativas da história de Ananindeua como o rio Maguary-açu, Quinta da Carmita etc.

Sendo assim, pensamos ser importante continuar trabalhando em torno dessa temática e produzindo material para contribuir com essa questão. Percebe-se ainda a necessidade de se fazer uma análise mais cirúrgica dos documentos coletados durante a pesquisa e novas leituras também, sendo essas leituras que irão cada vez mais auxiliar na ampliação de perspectivas nesse processo de ocupação e início do fluxo populacional gerado no século XIX.

Agradecimentos

O texto é resultante do plano de trabalho vinculado ao projeto de pesquisa “Ocupação da terra, paisagem e produção rural nos aldeamentos e colônias agrícolas do Pará, décadas de 1840-1880”, financiado pelo CNPq, em que registramos nossos agradecimentos.

Referências

ALMEIDA, Adrielson Furtado. Ananindeua e a sua identidade cultural. 2006.
ANANINDEUA (2006). Relatório Diagnóstico do Plano Diretor do município de Ananindeua, 2006.
CRUZ, E. A Estrada de ferro de Bragança: visão social, econômica e política. Belém: SPVEA, 1955.
EMMI, Marília Ferreira. A Amazônia como destino das migrações internacionais do final do século XIX ao início do século XX: o caso dos portugueses. Caxambú: ABEP. 2010.
MARIN. R. A; CASTRO, E. No caminho de pedras de Abacatal: experiência social de grupos negros no Pará. Belém: NAEA/UFPA, 2º ed. 2004.
PENTEADO, Antônio Carlos Rocha. Problemas da colonização e uso da terra na Região Bragantina do Estado do Pará. Belém: UFPA, 1967. (Série José Veríssimo).
RODRIGUES, J.C.;SOBREIRO, J.F.;OLIVEIRA, A.N. O rural e o urbano na Amazônia metropolitana: reflexões a partir de Ananindeua, Pará. Belém: NERA, 2018.
SIQUEIRA, J. L. F. Trilhos: o caminho dos sonhos (Memorial da Estrada de Ferro de Bragança). Bragança, 2008.

2 comentários:

  1. Belíssimo texto e Parabéns pela pesquisa. É fundamental realizar reflexões sobre Município de Ananindeua, acredito que essa região tem muito a contribuir para a historiografia amazônica. Vocês saberiam apontar qual seria a motivação dos poucos trabalhos historiográficos sobre o município de Ananindeua?

    Quando vocês afirmam que "Quanto ao que cabe à historiografia, não foi possível encontrar muitos trabalhos feitos retratando essa temática sobre o município de Ananindeua", Vocês saberiam apontar quais seriam as motivações dos poucos trabalhos historiográficos sobre o município de Ananindeua?

    Athos Matheus da Silva Guimarães

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  2. Acredito que a escassa documentação levantada sobre a região possa ser algo que explique. Acredito que um curso de graduação em história em Ananindeua, possa colaborar para o surgimento de novos estudos.

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