O IMPÉRIO PORTUGUÊS: AS PRIMEIRAS NAVEGAÇÕES E A
EXPERIÊNCIA ESCRAVISTA
Rafael Noschang Buzzo
1 INTRODUÇÃO
A entrada dos
europeus na corrida pelo comércio africano data do século XIV, através da
Península Ibérica, esforçavam-se para competir com as rotas árabes e fazer suas trocas com o mundo desconhecido e
mítico. Mesmo antes deste século já havia negros escravizados na Europa, vindos
do Cáucaso ou dos litorais africanos, onde já estava sendo aprimorada a tese da
inferioridade negra, conferindo “um conjunto de imagens particularmente
degradante”, preparavam o mundo para o tráfico transatlântico. (M’BOKOLO, 2008,
p. 252)
Antes da retomada europeia, a Península Ibérica podia
ser considerada a porta de entrada para muitos escravos na Europa, sob ocupação
de muçulmanos, era abastecida com escravos e soldados do Norte da África em um
fluxo constante. No século XV, já era notório o número de negros para a venda
na Espanha, nas cidades do sul da França e da Itália. Esta última, quando não
os recebia diretamente da Espanha, fazia incursões aos países Norte Africanos
para capturar pessoas para a escravidão. (M’BOKOLO, 2008, p. 253).
O cronista Gomes Eanes de Azurara (1841, p. 57) faz
referência a chegada de um pequeno carregamento de cativos na cidade de Lagos,
trazidos por Gil Eannes das Canárias, no ano de 1433, para servir ao reino. A
rapina de pessoas será recorrente a partir desta data, onde inicia o período chamado
de “descobertas”, incentivado pela corrida expansionista.
2 CORRIDA PORTUGUESA PARA O ALÉM-MAR
A corrida expansionista iniciada tanto por Portugal e
Espanha no século XIV, foi caracterizada pelo envio de várias embarcações na
tentativa de descobrir novas terras para o comércio ou domínio da região.
Podemos evidenciar esta corrida pela tomada das Ilhas Canárias, as tentativas
de conquista são marcadas já nos primeiros anos de 1310. Os ibéricos faziam
comércio, através do estreito de Gibraltar, com a África, após a tomada de
Ceuta pelos portugueses no ano de 1415. Entretanto, as Canárias representam um
símbolo desta expansão, tanto pela insistente tentativa de conquista portuguesa
e espanhola, pela verba investida nas incursões ou por uma busca constante do
retorno deste investimento.
Fica evidente quando analisamos os motivos de Infante
Dom Henrique de Avis para suas navegações: 1º conhecer as terras além das
Canárias; 2º achando terras com cristãos ou sem perigo para navegar, trariam
mercadorias e fariam comércio; 3º conhecer as forças dos mouros; 4º verificar
se se achavam terras com cristãos e se algum príncipe necessitasse de ajuda
contra os infiéis; 5º conversão ao cristianismo. Não o fizeram antes por medo
das correntes, do desconhecido e de não achar terras possíveis de abastecer os
navegadores. (AZURARA, 1841, p.50)
As Canárias representam um primeiro ensaio
escravagista, de organização colonial e de trato com os nativos, por parte dos
portugueses. Nesta busca pelo retorno e do lucro é que vai se dar a violência
extrema contra a população autóctone e as primeiras experiências da plantação
da cana-de-açúcar. A possibilidade de retorno do financeiro da cana,
impulsionará portugueses para as demais ilhas e, por fim, as grandes
navegações. (GODINHO, 1952).
Iniciada no reinado de Dom Affonso IV, a corrida para
descobrir novas terras é incentivada e pesadamente investida pela coroa. São
inúmeras as tentativas de ultrapassar os pontos navegáveis conhecidos mais ao
sul da Costa Africana. O primeiro deste, conhecido como Cabo Não, foi vencido
em 1417, o segundo o cabo Bojador somente em 1433. Várias empreitadas foram
lançadas até 1441, data em que foi feito os primeiros raptos registrados por
portugueses em terras africanas não conhecidas, na localidade de Rio do Ouro,
por Antam Gonçalvez – este, captura duas pessoas na sua incursão, um homem e
uma mulher. (AZURARA, 1841, p.79).
A expansão marítima portuguesa pode ser mensurada
quando analisamos as tentativas dos reis portugueses em cruzar o Cabo Não e o
Cabo Bojador. O primeiro era considerado intransponível e ponto mais ao sul
navegável, nenhuma incursão enviada por Dom Affonso IV conseguiu cruzá-lo.
Somente no ano de 1417, sob mando de Dom João I, atravessarão 180 milhas ao
sul, chegando ao Cabo Bojador, novamente considerado intransponível. Sucessivos
envios de navios, com gastos altíssimos são referenciados por Azurara. Em 1436,
Afonso Baldaia cruza o Cabo Bojador, chegando até O Rio do Ouro. (AZURARA,
1841, p. 65)
Em 1472 e 1473, Fernão de Póo e Lopes Gonçalves chegam
as ilhas Formosa e Gabão (AXEL, 2017, s/p). Somente em 1483, ano em que
alcançam o reino do Congo, com sua capital, Banza Congo, é que iniciará o
comércio português. As primeiras trocas são de manilhas de cobre e marfim
congolês, por mercadorias portuguesas e serviços de conselheiros técnicos. Três
anos após, nas ilhas de São Tomé e no Golfo da Guiné é que os portugueses vão
desenvolver a indústria açucareira. Demandando mão de obra, na década de 1490,
os portugueses, exigirão escravos para seus engenhos (HALL, 2017, p. 252).
O tráfico em larga escala na região vai iniciar após
1500, aumentando gradativamente entre 1520 e 1560, chegando a exportar até sete
mil indivíduos escravizados por ano. Para os cativos, a situação é agravada
quando o Rei do Congo, se converte ao cristianismo, batizado como Afonso I e a
capital passou a chamar-se São Salvador. As rivalidades entre as potências
europeias, traficantes portugueses e brasileiros, fragilizavam ainda mais o
reino, que se via desmembrado pelo conflito dos funcionários portugueses e
congoleses na busca por lucro (HALL. 2017, p. 254).
Em 1575 os portugueses concentram-se mais ao sul,
fixando porto em Luanda, na busca por prata e cativos. Devido à instabilidade
deixada na região pelos lusos, no ano de 1622 o Reino de Ngola (também chamado
de Dongo, Ndongo ou Angola) se separa
do reino do Congo (São Salvador). Com domínio português o novo reino vai ser o
principal polo do tráfico de escravos da África Centro-ocidental.
M’Bokolo (2008, p. 260) aponta as causas da navegação
e interesse no continente africano, principalmente pela Europa Ibérica.
Primeiro, na busca do lucro no comércio; segundo a busca por produtos escassos
na Espanha como trigo, ouros, ferro e açúcar, sendo este, o produto específico
que levará as expedições escravagistas posteriores ao descobrimento do Brasil.
O autor completa:
“[...] a abertura do Atlântico foi uma operação de
grande folego durante a qual a sede de ouro e a busca por especiarias, a
audácia de navegadores portugueses, assim como de espanhóis e de italianos,
interessados no lucro das operações [...]” (M’BOKOLO, 2008, p. 257)
Dos fins do século XV até o século XVI, a captura de escravizados não era, nem de longe, a
atividade principal de renda portuguesa, onde a maioria dos cativos era
adquirido pelo rapto. Contudo, no final do século XVI,
ao menos dez por cento dos habitantes de Lisboa eram escravos (CARVALHO, 1999,
p. 233). A regularidade do comércio aumentava entre estes séculos, assim: “A
partir de 1644, as importações anuais de escravos capturados na Guiné
tornaram-se regulares.” (M’BOKOLO, 2008, p. 261)
A ideologia da inferioridade do negro ganha vulto em
meados do século XV, propriamente para justificar o aprisionamento, exploração
e violência contra estes. Os europeus utilizam o mesmo argumento sagrado que os
muçulmanos para escravizar os africanos. As escrituras descrevem a maldição de
Cam e a detração de seus herdeiros, enquanto os muçulmanos usavam a jihad e os
escravos serviriam as causas de Allah, descreve assim os autores Albuquerque e
Fraga Filho (2006, p. 16): “Eram as guerras santas, as jihad, destinadas a
islamizar populações, converter líderes políticos e escravizar os “infiéis”, ou
seja, quem se recusasse a professar a fé em Alá”. Podemos encontrar nas
Crônicas de Azurara (1841, p. 93) as evidências deste embasamento sagrado
cristão:
“E aquy avees de notar que estes negros postoque sejam
Mouros como os outros, som porem servos daqueles, per antiigo costume, o qual
creo que seja por causa da maldiçom, que despois do deluvyo lançou Noe sobre
seu filho Caym, pella qual o maldisse, que sua geeraçom fosse sogeita todallas
outras geeraçooes do mundo, da qual estes descendem, segundo screve o arcebispo
dom Rodrigo de Tolledo, e assy Josepho no livro das antiguidades dos judeus, e
ainda Gualtero, com outros autores que fallarom das geeraçooes de Noe depois do
saimento da arca. “
A visão do lucro que poderia surgir do cativo, fazia
com que leituras tendenciosas das escrituras sagradas, de ambas religiões,
justificassem a escravidão do negro. (M’BOKOLO, 2008, p. 262).
Na cunhagem ideológica do negro em que partes do mundo
(não somente o ocidente) articulam em volta dos africanos, afim de satisfazer a
necessidade de transformá-los em coisa, encontra a justificativa na
transformação do ser vivo em mercadoria. Mbembe (2014, p. 77) salienta que a
disseminação e insinuação da total inferioridade, de mentiras e de fantasias em
torno do negro, cria uma carapaça, um invólucro que destrói o seu portador.
Toda a alegoria, fantasia, da criação de um ser mítico, bruto, “carne humana e
carne animal”, transforma o homem africano em objeto, coisa, dominado pela
emoção e desprovido de intelecto. (MBEMBE, 2014, p. 76). A frequência da
repetição e do trato do mundo para com o africano possibilita a banalização
desta condição e sua total coisificação, autorizando a violência extrema e seu
aprisionamento.
3 ESCRAVIDÃO
A escravidão angolana já existia, assim como em todo o
continente e em diferentes partes do mundo antigo. Diferente em muitos aspectos
da escravidão imposta por europeus e até mesmo dos países do Norte ou do
oriente, onde os muçulmanos possuíam o controle das rotas comerciais.
O escravismo Centro-africana, conforme conceitua
Filipe Carvalho (1999, p. 234), possui caráter limitado, ou seja, o sujeito que
sofre a pena não perde sua condição de humano, não é transformado em objeto:
“Além de não determinar o desenraizamento cultural que resultava do transporte
para uma terra completamente estranha, não reduzia o escravo à condição de
simples executante de tarefas árduas e prolongadas.” (CARVALHO, 1999, p. 234).
Conforme o autor, a escravidão se dava através de aprisionados de guerra,
criminosos graves, adquiridos por herança e em feiras.
Autores como Wlamyra Albuquerque e Fraga Filho (2006,
p. 14) caracterizam esta prática como escravidão doméstica, onde o
aprisionamento de vencidos em conflitos era comum. Trabalhando no campo e auxiliando
no sustento do grupo, os escravizados representavam prestígio para os
possuidores, as mulheres eram a preferência, pois seguidamente tinham filhos
com os senhores. A linhagem das escravas que nasciam no círculo familiar dos
senhores, com o tempo, era incorporada ao grupo perdendo a condição servil. As
crianças também eram buscadas, por facilidade de assimilação das regras do
grupo raptor e por criar vínculo afetivo com a nova família. (ALBUQUERQUE;
FRAGA FILHO, 2006, p. 15).
O emprego do escravismo de caráter limitado anterior a
chegada dos europeus, justificou a tomada de assalto e violência empregada
pelos raptores portugueses, abastecendo o tráfico negreiro. As feiras
significavam abastecimento constante de escravizados para os portugueses, onde os
angolanos eram enviados para Portugal, Índia e Brasil. (CARVALHO, 1999, p.
234). A predação portuguesa muda a lógica escravista africana, alterando as
formas dos autóctones adquirirem os cativos. O ataque a vilas e outras famílias
tornou-se comum após o tráfico de escravos ganharem grandes proporções
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os primeiros contatos entre os portugueses e
angolanos, mesmo nos seus primórdios, visavam o comércio, se não de produtos
exóticos, seria os próprios homens a mercadoria. Para tanto, foi necessário
transformar o indivíduo em coisa, em objeto, colar em estratos diferentes. A
tipificação do homem de acordo com a cor de sua pele é mecanismo justificador
de ações predatórias e que busca o ganho. O tráfico de escravos, atividade
lucrativa, enriquecia muitos homens transformando os escravizados em
propriedade e trabalho bruto em lucro.
A chegada dos portugueses e o início do tráfico
atlântico, altera de forma definitiva a lógica de aquisição dos escravos no
território africano. O saque as vilas pequenas, alimentava as feiras ou pumbos,
de onde os contrabandistas levavam até os portos para embarque e envio para as
Américas. No Brasil, os portos da Bahia recebiam contingentes da África
Ocidental, no Rio de Janeiro desembarcavam pessoas escravizadas
Centro-africanas, estas, por sua vez, eram reembarcados para o Sul da colônia.
Entretanto, o fluxo não era exclusivo, alimentado pelo tráfico interno de
escravos, indivíduos saiam da região baiana para o sul, assim como das
províncias sulistas para a região cafeeira, movimentando um mercado lucrativo,
amalgamando as etnias e suas culturas.
A compreensão da origem de nossa população perpassa o
estuda da diáspora. Assim, concluímos que houve um grande número de indivíduos
das etnias que contemplam o Reino de Ngola e Congo em todas as regiões do país,
porém existe a presença massiva de outras etnias nos documentos oficiais, o que
corrobora a tese do grande tráfico interno que havia na colônia. A população
brasileira está permeada por uma diversidade de etnias, línguas, culturas e
cosmovisões que foi produzida pelo próprio sistema escravista. O mesmo sistema
que alimentava o tráfico servia para manter os cativos como objetos, alastrou
tais etnias por todo território brasileiro, sendo nossa sociedade fruto deste
trânsito de vidas humanas.
Rafael Noschang Buzzo –
Pós-graduando em História e Cultura Afro-brasileira – rnbuzzo@gmail.com - http://lattes.cnpq.br/1380326098437307
ALBUQUERQUE, W; FRAGA FILHO, W. Uma História do Negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2006.
AZURARA, G. E. Chronica
do Descobrimento e Conquista de Guiné. Paris: J. P. Aillaud, 1841.
GODINHO, V. M. A Economia Das Canárias Nos Séculos XIV
e XV. Revista de História USP, São Paulo. v. 4, n. 10, p. 311-348, 1952.
HALL, Gwendolyn. Escravidão
e Etnias Africanas nas Américas: Restaurando os elos. Petrópolis: Vozes,
2017.
MBEMBE, Achille. Crítica
da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014.
M’BOKOLO, Elikia. África
Negra: história e civilizações. Tomo I. Salvador: EDUFBA, 2008.
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, 2017, Brasília.
AXEL, S. T. J. Às Origens dos Escravizados Bantu de África Central Deportados
às Américas dos Séculos XVI-XIX.
Bom dia Rafael Buzzo,
ResponderExcluirTudo bem?
Parabéns pela ótima comunicação.
Eu tenho um questionamento. Em certo momento, você mostra que o interesse ibérico pela África tem que ver com argumentos econômicos, como a busca das especiarias. Existe uma outra dimensão (política, cultural, religiosa) para tal interesse?
Obrigado.
Danilo Sorato Oliveira Moreira.
Bom Dia caro Danilo.
ExcluirObrigado pelo interesse e por seu questionamento.
Sim, existe outros interesses, principalmente nos primeiros momentos da exploração marítima. Podemos citar o interesse religioso, observando as lutas com os muçulmanos. Infante Dom Henrique de Avis, procurava auxiliar qualquer povo cristão na luta contra os "mouros", onde as expedições serviriam para verificar até onde iria as forças muçulmanas. A questão religiosa sempre esteve presenta nas navegações, como forma de levar a “palavra de Deus” para outros locais, consequentemente a cultura. Lembramos que estava em curso a personificação do “ser” português. Existe as questões políticas, essas completariam um novo artigo. As navegações serviam de demonstração da força política. Por muito tempo, o império português esteve engajado nas lutas de reconquista de território, entretanto, após a península ibérica estar nas mãos lusas e espanholas, foi possível implementar as navegações e a busca pelo mercado e as rotas comerciais dos árabes.
Citei a questão econômica no artigo, pois é o fator de maior ênfase. A busca pelo retorno do investimento da coroa, nas navegações, exigia a busca por recompensas econômicas e em grande quantidade.
Espero ter respondido de forma satisfatória. Qualquer dúvida fique a vontade para novos questionamentos.
Muito bem respondido, prezado Buzzo!
ExcluirMais uma vez, parabéns pela comunicação.
Danilo Sorato Oliveira Moreira.
Olá, Rafael Buzzo.
ResponderExcluirPrimeiramente, gostaria de parabenizar a comunicação e a escolha de um tema sempre tão pertinente.
Tenho dois questionamentos despertados pelo seu texto:
1) Gostaria de saber se, no decorrer de sua pesquisa, foi possível tecer algum tipo de comparação entre a escravização de africanos por parte dos portugueses e aquela empreendida por algum outro Estado/Região da Europa citado no seu texto (como a Espanha, por exemplo).
Agradeço a atenção.
John Kennedy Ferreira da Luz
Bom dia caro John Kennedy.
ExcluirDurante a pesquisa, foi possível observar aspectos referente a sua questão, diferenciando, principalmente, entre alguns tipos de escravidão, a africana e a moderna, que e abrangente e cobre todos os países que utilizaram escravos. Historicamente, diferenciamos a escravidão clássica da moderna, pois corresponde a diferenças fundamentais de funcionamento e exploração da mão de obra. A escravidão clássica, para exemplificar, é a empregada por gregos, espartanos, entre outros. A escravidão africana pode ser lida no texto:
“O escravismo Centro-africana, conforme conceitua Filipe Carvalho (1999, p. 234), possui caráter limitado, ou seja, o sujeito que sofre a pena não perde sua condição de humano, não é transformado em objeto: “Além de não determinar o desenraizamento cultural que resultava do transporte para uma terra completamente estranha, não reduzia o escravo à condição de simples executante de tarefas árduas e prolongadas.” (CARVALHO, 1999, p. 234). Conforme o autor, a escravidão se dava através de aprisionados de guerra, criminosos graves, adquiridos por herança e em feiras.”
Já a escravidão moderna é caracterizada, em primeiro momento, como a coisificação do ser humano, o rebaixamento da condição de “indivíduo” para de “objeto”, somente com esta imposição foi possível escravizar e destruir milhares de vida.
Nas fontes que consultei – sendo este meu limite – difere apenas na extensão, mas, o pacto escravista, a proposta, foi utilizada por todas os países escravocratas como justificativa para a rapina. A Espanha utilizou os escravos como os portugueses, por exemplo, na América espanhola foi empregado em grande quantidade, muitas vezes fornecidos via Rio Grande do Sul.
Espero ter sanado sua primeira dúvida. Fique à vontade para novos questionamentos.
2) Tomando como base apenas o material a que você teve acesso para sua pesquisa, foi possível identificar alguma razão que tenha impulsionado tão fortemente o comércio de nativos africanos, mesmo com a existência de outros povos não-cristãos sob domínio português?
ResponderExcluirJohn Kennedy Ferreira da Luz
Kennedy, essa foi uma excelente pergunta, poderíamos escrever um livro sobre seu questionamento, tentarei ser sucinto.
ExcluirNo que foi possível concluir, conforme minhas leituras, sobre o assunto, é que o tráfico moderno ou tráfico atlântico, só foi possível graças ao implemento da coisificação do africano. Os muçulmanos, desde de sua expansão (posterior ao século III) seria vistos, pelos europeus, como ameaça para o cristianismo, mesmo assim, por sua posição guerreira, que conquista muitos territórios, vence batalhas, não era possível taxá-los de inferiores. Já o indígena, era visto como “inocente”, como primitivo, que não teve a oportunidade de conhecer o cristianismo, estes poderiam vir a ser fiéis para a igreja, o pacto escravista não foi aceito pela igreja.
Entretanto, o africano era visto como impuro, indigno. Para tanto, foi utilizado vários tipos de argumento: primeiro o religioso, posterior o científico. O religioso foi baseado nas escrituras bíblicas, descrevendo a maldição de Cam e a detração de seus herdeiros, enquanto os muçulmanos usavam a jihad e os escravos serviriam as causas de Allah.
Posteriormente foi implantado o argumento cientificismo. Na tentativa de provar a inferioridade intelectual do negro, faziam medidas do tamanho do crânio, do nariz, das mãos ou da cor da pele. Mas, acima de qualquer explicação, o motivo é transformar em objeto e obter lucro com a mercadoria humana.
Mesmo quando o contato era amistoso, o português (e todos os países escravocratas), procurava a obtenção de lucro. Lembrando das intenções iniciais de obtenção de ouro, marfim ou especiarias, o escravo se tornou rentável, e isso foi constatado muito cedo. Para isso, foi necessário criar mecanismos que possibilitassem a venda de outro indivíduo, sendo aprimorado a coisificação do indivíduo.
Caso tenha interesse, recomendo a leitura de Mbembe, Crítica da Razão Negra e o livro de Francisco Bethencourt, Racismos: das cruzadas ao século XX.
Obrigado e fique à vontade para novos questionamentos.
Rafael Noschang Buzzo
ExcluirRafael, obrigado pelo seu texto. Achei interessantíssimo e muito enriquecedor a os autores que você utilizou como referência.
ResponderExcluirA forma como os portugueses geriram esse sistema escravista, promovendo um aumento considerável do comércio de almas pelo atlântico e formando um sistema colonial dependente da mão-de-obra escrava, foi uns dos maiores responsáveis pelo desequilíbrio estrutural, econômico e social nas nações africanas em que eles agiram?
GUSTAVO GOMES DE MEDEIROS
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirCaro Gustavo, sua pergunta é muito interessante e faz refletir.
ExcluirAs colônias que utilizavam escravos mantinham suas produções, com baixo nível tecnológico e com poucas melhorias, devido ao abundante numero de escravizados. Exatamente como você colocou, o sistema implantado e a base econômica dependia desta mão-de-obra abundante. O sistema vai se alterar, quando a Inglaterra impor o fim do tráfico por ter, justamente, desenvolvido tecnologia que necessitava de consumidores.
Agora, vejo as questões de desiquilíbrio social e econômico africano, sendo consequência da época seguinte, a colonização e o neocolonialismo. A procura por matéria-prima e mercado consumidor, fez os impérios invadirem a África e a Ásia, implementando o sistema tão terrível quanto o escravismo. A segregação, a retirada das terras, a violência com as culturas distintas, a imposição de regras e modos de vida totalmente distintos e a exploração das riquezas do continente, fazem milhares de vítimas. Existem muitos trabalhos sobre o assunto, defendendo este aspecto. logicamente, a escravidão retirou milhares de indivíduos de seu território, incluído vilas inteiras, mas economicamente as regiões poderiam manter-se. O dano maior, que pode ser sentido ainda hoje, que mata milhares de indivíduos, indiscriminadamente, mulheres, crianças e homens é o sistema colonial e neocolonial.
Sugiro a leitura do livro de kauane N’krumah, Neocolonialismo: Ultimo estágio do Imperialismo e o livro de Frantz Fanon, Condenados da Terra. Outra possibilidade é o documentário de Göran Hugo Olsson, Concerning Violence: Nove cenas para o anti-imperialismo e auto-defesa, baseado no livro do Fanon e com cenas das lutas de descolonização. Acredito que todos os autores pós-coloniais são interessantes para, TENTAR, elucidar essa questão.
Espero que tenha ajudado a sanar sua dúvida, muito obrigado por sua pergunta e mais uma vez parabéns por sua pergunta tão reflexiva.
Rafael Noschang Buzzo
ExcluirBoa noite Rafael
ResponderExcluirPrimeiramente parabéns pelo texto. Possuo duas questões.
1) O texto descreve como se espalhou pela Europa a partir do século XV, utilizando um viés de confirmação e argumentação religioso, a ideologia de inferioridade dos povos negros em frente aos europeus. Essa ideologia se disseminou apenas pelos meios intelectuais-acadêmicos da época ou haviam outras formas de disseminação para a população geral? E seu suporte religioso se manteve o mesmo tanto para os católicos como para os protestantes do século seguinte?
2) Estudo muito o período da União Ibérica e do domínio da coroa espanhola sobre Portugal. A Espanha utilizava mais mão de obra indígena em suas colônias, pelo fácil acesso e domínio dessa população. Com a união das Coroas e o controle deste comércio escravista lucrativo de Portugal, a Espanha viu um aumento no uso de escravos africanos durante essa época?
Obrigado pela atenção
Lucas Almeida Fernandes
Boa noite Lucas. Boa pergunta e complexa de responder.
ExcluirA forma de disseminação das teorias racistas ocorre conforme o período. Sempre houve preconceitos e questões de superioridade étnica, o etnocentrismo. Nos séculos anteriores, meados do século XIV e XV, os pseudocientistas divulgavam suas pesquisas de superioridade étnica, alcançando apenas os letrados. A transmissão dos estereótipos para população pode ocorrer de várias formas, por exemplo, a hierarquização dos continentes, onde a ilustração da personificação da América mostra o exótico, uma guerreira amazônica quase nua sentada sobre um animal, a África passa pelo mesmo processo, mostra o exótico, sempre mostrando nas ilustrações que remetem a própria Europa, como vestimentas modernas, segurando a representação da justiça ou do conhecimento.
As ilustrações de livros, afrescos e obras de arte, sempre reforça a ideia de inferioridade. A igreja teve papel importante em transmitir os valores da civilização, os cristãos (Europeus) levariam o conhecimento, levariam a palavra de Deus para os bárbaros e selvagens – aqui podemos entender como negros, indígenas.
Toda a questão referente a hierarquização das etnias e dos continentes, serve para, primeiro, legitimar as ações de rapina e desapropriação dos nativos e, segundo, complementar o discurso religioso, no primeiro momento e científico no posterior.
A transmissão destes preconceitos e estereótipos para a população, ocorre por meio das instituições. Após legitimar o status daquele indivíduo, todas as instituições iram reproduzir o discurso de uma elite, que neste caso é a europeia católica.
Sobre as doutrinas católica e protestante, sendo ambas formas do cristianismo, apresentam a mesma base, pois utilizam a bíblica com guia. Entretanto, nas minhas bibliografias existem pouca referência sobre os protestantes, ficando a possibilidade de uma nova pesquisa sobre o assunto. A ideologia da superioridade ética era muito forte no período, apoiado pelas escrituras sagradas do cristianismo, assim como do islamismo e por instituições que reproduziam o discurso, o alcance das teorias racistas alcançava boa parte da população, impregnando a sociedade até hoje.
Espero que tenha respondo esta questão.
Sua segunda questão também é muito boa e reflexiva.
Conforme as fontes consultadas, a mão de obra escrava entrava na América espanhola através do tráfico interno, entre Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Foram trazidos para o Brasil, aproximadamente, 11 milhões de escravizados, na América Espanhola foi próximo de 5 milhões. O número inferior pode refletir a procura de mão-de-obra escrava nas populações locais, que possuíam os conhecimentos específicos que os colonizadores necessitavam, como, por exemplo a mineração. Na América Espanhola, o escravizado africano era utilizado, principalmente, nas lavouras, por todo o território, sendo o caribe e a América Central as colônias que mais recebiam negros.
Espero que tenha respondido satisfatoriamente suas perguntas.
Grato,
Rafael Noschang Buzzo
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir