SER OU VIR A SER NEGRO: EIS UMA QUESTÃO IDENTITÁRIA
Antonio José de Souza
O
contexto do texto
Ser ou não ser. Existir ou não existir. Finalmente,
viver ou morrer, eis a questão! Lanço mão de uma das mais famosas frases da
literatura mundial, subtraída da peça A
tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, para
provocar intencionalmente uma reflexão que talvez seja percebida como conteúdo
complexo, profundo e, quiçá, da psicologia social. No entanto, parafraseando
Shakespeare, pretendo apenas constituir um pano de fundo para uma crônica
recente.
No início do
mês de junho de 2018, as diversas mídias alardearam a notícia de que a cantora
Fabiana Cozza, que é filha de mãe branca e pai negro – e vem se notabilizando
pela força interpretativa do seu canto, bem como pelo engajamento na projeção
da nossa cultura, inclusive através da cultura negra, extrapolando os limites
endógenos, alcançando o mundo –, havia
renunciado ao papel de Dona Ivone Lara no musical “Dona Ivone Lara – um sorriso
negro”, após uma série de críticas sofridas, pois, segundo comentários, ela não
teria pele negra legítima e justificável para interpretar a sambista. Em seu
perfil em uma rede social, Fabiana publicou um desabafo em que, entre outros
aspectos, explicava a decisão:
“Renuncio porque falar de racismo no Brasil virou
papo de gente “politicamente correta”. E eu sou o avesso. Minha humanidade dói
fundo porque muitas me atravessam. Muitos são os que gravam o meu corpo. Todas
são as minhas memórias. Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa
quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar
“branca” aos olhos de tantos irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração
uma dor jamais vivida antes: a de perder a cor e o meu lugar de existência.
Ficar oca por dentro. E virar pensamento por horas”.
Definitivamente, Cozza, você e eu, somos partícipes
e também consequências das engrenagens responsáveis pela formação do povo
brasileiro diverso na cor da pele, crenças, costumes em razão da mestiçagem com
as populações indígenas, brancas e negras. Contudo, o conceito de miscigenação
mostra-se deveras confuso, visto que o termo mestiçagem, e mesmo hibridismo,
implica a mistura de elementos heterogêneos, delimitados e fixos, no entanto, o
que se percebe, em determinados compêndios, é a tentativa de romantizar a
composição identitária brasileira com uma suposta maleabilidade que favoreceu a
mistura, produzindo, então, uma sociedade miscigenada harmônica, cândida e
proporcional diante das diferenças próprias às culturas indígena, europeia e
africana.
Tal percepção pressupõe que as circunstâncias
significativas da formação brasileira aconteceram pelo genuíno esforço, por
parte dos europeus, em se adaptar a condições inteiramente estranhas, pondo-se
em contato amistoso com a cultura indígena e sendo “amaciada pelo óleo” da
intervenção africana, fundamentando, dessa forma, uma homogeneização cultural
que omite as diferenças e desigualdades sociais, reverberando a ideia de uma
História Nacional caracterizada pela ausência de conflitos. Conquanto, a julgar
pelo lamentável e insistente entalhamento do negro despojado de sua humanidade
na contemporaneidade, infere-se que há uma colisão e, portanto, um conflito
latente desde as correntes migratórias através do Atlântico, contrabandeando
africanos forçados a envolverem-se na “diáspora”, tendo o Brasil como o local
de desembarque, na condição de escravizados, estrangeiros absolutos, os “de
fora” mesmo “estando dentro”.
Ser
negro, tornar-se negro
Tornou-se, o negro, o “estranho familiar”,
hostilizado por robustas correntes de pensamento racista do século XIX, como o
racismo científico, a antropometria, o darwinismo social, que “ [...], primeiro
[apostava] na ideia de Tipos Perfeitos (indivíduos que não eram miscigenados),
segundo [considerava] a mestiçagem como uma praga para a sociedade ‘civilizada’
que precisava ser evitada e eliminada” (Silva; Santos, 2012, p. 1). Além disso,
as teorias evolucionistas que influenciaram, no Brasil, as reproduções
simbólicas pejorativas atribuídas à figura do negro, como o mito da “vadiagem”
e da “preguiça”, além do mito da “mulata sensual”, todas arraigadas à estrutura
social brasileira da época, a ponto de perpetuar-se nas estruturas
contemporâneas que permanecem categorizando o negro como integrante de uma raça
inferior. Portanto, um legado deixado pela experiência de uma Abolição tardia,
proclamada oficialmente, mas que, na verdade, catapultou o negro na sarjeta,
afinal, “[...] para serem livres, eles tiveram de arcar com a opção de se
tornarem ‘vagabundos’, ‘boêmios’, ‘parasitas de suas companheiras’, ‘bêbados’,
‘desordeiros’, ‘ladrões’ etc.” (FERNANDES, 2017, p. 80).
Sendo assim, o negro é transfigurado em um espectro,
visto que nas representações sociais existem elementos determinantes para a
classificação no regime de castas que, para tal, considera o desembarque
pretérito dos africanos, desenvolvendo um imaginário de degenerações culturais,
sociais e também biológicas, por isso a mestiçagem significava, para as já
mencionadas doutrinas raciais da segunda metade século XIX, uma descendência
corrompida. Com efeito, o afastamento da eminente ameaça viria pelo
branqueamento da sociedade brasileira, por meio da eliminação gradativa do
sangue “subalterno”, resolvendo, sumariamente, a questão da formação
identitária nacional, considerada incômoda, por conta da pluralidade racial.
À vista disso, no percurso histórico brasileiro,
homens e mulheres negras estiveram resistindo, política e culturalmente, a toda
forma de opressão e discriminação, de tal modo que ações, no intuito de
promover a igualdade de oportunidades entre os grupos raciais excluídos e
discriminados, constituem conquistas reais, na atualidade. Entretanto, o
reconhecimento dessas genuínas retratações e eventos antirracistas não eliminam
a memorável atrocidade diante das bizarras ideologias raciais e discriminatórias
que ainda deslocam o sentido ancestral africano que se centraliza no processo
estigmatizante do negro, personificado como o “outro”, o estranho, o escravo,
dominado e vítima permanente de incontáveis formas de exclusão.
Irrefutavelmente, a mestiçagem integra as relações
raciais no Brasil, seja na sua configuração biológica (miscigenação), seja na
sua configuração cultural (sincretismo cultural), ou mesmo a partir da
hibridização, conceito responsável pela discussão em torno das demarcações identitárias
e culturais, a fim de elucidar até que ponto os elementos embrionários são
mantidos, após as combinações, uma vez que se combate a ideia de uma identidade
integral, originária e unificada, sendo que “[...] a própria ideia de uma
identidade nacional pura, ‘etnicamente purificada’, só pode ser atingida por
meio da morte, literal e figurativa, dos complexos entrelaçamentos da história
e por meio das fronteiras culturalmente contingentes da nacionalidade [...].”
(BHABHA, 2013, p. 25).
Provavelmente, em face dessa realidade, “Há quem se
pergunte se no Brasil seria possível a existência de uma identidade dos negros
diferentes da dos demais cidadãos.” (MUNANGA, 2012, p. 15). No entanto, a
rememoração da história nos revela uma relação racial branca hostil para com a
resistência racial negra, deixando escapar uma estreita e perniciosa
aproximação com o racismo do qual é consequência e resultado. Decididamente, os
fatores perturbadores responsáveis pela discriminação racial, expostos ou
encobertos, praticados pelos poderes econômicos, políticos e religiosos dão-se
pela hierarquização das “raças”.
A identidade negra no Brasil de hoje constitui um
contexto em que tanto se debate, no entanto, em uma celeuma que, muitas vezes,
pouco define a amplitude do referido temário. Uma vez que alcançar a
consciência da negritude significa ter vivenciado experiências de
invisibilidade, tendo no percurso de formação identitária (“si mesmo”)
perspectivas confundidas, sendo conduzido sutilmente a expectativas de negação,
pois, em uma sociedade como a nossa, os procedimentos de exclusão são correntes
e comuns. Assim, nessa conjuntura, a identidade negra, como parafraseia Ciampa
(1998, p. 16) é “[...] morte-e-vida [...] um outro nome para identidade [...]”,
eis a questão! É morte, mas é também, e sobretudo, vida expressa naquele que se
empenhou a escrever uma outra história, com as cores vivas, festivas e
vibrantes, de quem passa pelo processo de reconstrução da identidade.
“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido
massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a
exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, [...], a
experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas
potencialidades”. (SOUZA, 1983, p. 17-18)
À vista disso, as palavras de renúncia da cantora
Fabiana Cozza revelam o paradoxo de uma “[...] mestiçagem, que aparentemente
aproxima e une, [mas] vem ferir o indivíduo negro que não corresponde ao tipo
ideal, o qual [...] supõe a exclusão e a denegação da identidade” (D’ADESKY,
2009, p. 69). Em outras palavras, ela renunciou, pois, a negritude que a
atravessa, gravando marcas indeléveis da raça no seu corpo e memória, não é
suficiente.
“‘Somos daqui’, ‘somos deste lugar’, pertencemos a
este lugar” (BAUMAN, 2005, p. 24). No caso da Cozza, o veredito para sua
questão identitária veio pelo “outro” que, por fim, a decretou como não sendo
“uma pessoa deste lugar”, isto é, para interpretar Dona Ivone Lara, faltava-lhe
a negritude correspondente, logo, negra de menos, branca de mais. Esquecendo-se
que a identidade é uma demanda imbricada com a política, “tanto na atividade
produtiva de cada indivíduo quanto nas condições sociais e institucionais onde
esta atividade ocorre. [Sendo assim,] [...] que possibilidades nós nos
permitimos – a nós e aos outros – de, sendo nós mesmos, nos transformarmos
[...]” (LANE, 1998, p. 10).
Obviamente, não se identifica na trajetória
artística de Fabiana Cozza um impulso aviltante pelo branqueamento e sua
particular ideologia a partir da égide do racismo, ditando a regra de que o
apropriado e formoso é branco e tudo de pernicioso é negro, estabelecendo,
desse modo, a supremacia de uma aparência física mais próxima da raça
caucasiana, as feições comuns a todos os europeus, na qual se destaca o cabelo,
exercendo a impiedosa tendência que atrofia a identidade do negro.
“[...] o sujeito negro [...], através da
internalização compulsória e brutal de um Ideal de Ego branco, é obrigado a
formular para si um projeto identificatório incompatível com a propriedades
biológicas do seu corpo. Entre o Ego e seu Ideal cria-se, então, um fosso que o
sujeito negro tenta traspor, às custas de sua possibilidade de felicidade,
quando não de seu equilíbrio psíquico”. (COSTA, 1983, p. 3)
Percebe-se que Cozza tem um conhecimento profundo de
todo o repertório da Dona Ivone Lara e vive a sua negritude, indo além da
pigmentação da pele, alcançando o envolvimento emocional, ideológico,
consciente do pertencimento e valor da raça e cultura negra. Portanto, ela é
“pessoa do lugar”, o que, em definitivo, não depende da minha outorga ou de
quem quer que seja. Não é rasourável a interferência de um dito paladino que,
do alto do seu cavalo, vaga pelos complexos meandros da subjetividade e da
identidade, postulando convicções e “certezas étnicas” que maculam o respeito à
alteridade alheia. Afinal, trata-se de uma travessia pessoal pelas experiências
culturais e identitárias que desembocam nas paulatinas ocasiões transformadoras
e, muito em razão disso, reconhecemo-nos no liame com o “outro”. No entanto, é
importante lembrar, que “[...] a negritude é a afirmação da identidade negra no
qual negros e negras deixam de ser objetos de uma história narrada por um
outro, que se pensa e diz ser diferente [...]” (MULLER; CARDOSO, 2014, p. 2).
A natureza relacional da identidade é o cerne onde
residem os nossos sentimentos, pensamentos e ações, posto que, em conformidade
com Ciampa (1998, p. 34), “[...] é o sentido da atividade social que
metamorfoseia o real e cada uma das pessoas”. Por esse ângulo, a interação
social parte do princípio e da compreensão de que a experiência do ver e também
ser visto não significa apenas um detalhe desprezível, mas um efeito do olhar
que sugestiona uma perspectiva, uma intencionalidade, preconizando a
visualidade sutil do bom e do bonito, do ruim e do feio. Isso implica, como
destaca Hall (2014, p. 110), o fato de “que as identidades são construídas por
meio da diferença e não fora dela. [...] apenas por meio da relação com o Outro
[...]” o que, irrevogavelmente, descarta o caráter impositivo e chancelador
desse “outro”.
Portanto, o discurso que tencionou a renúncia de
Fabiana Cozza tem um coeficiente de “expulsão”, um “princípio de exclusão: não
mais a interdição, mas uma separação e uma rejeição. [...] Era através de suas
palavras [...] o lugar onde se exercia a separação” (FOUCAULT, 2013, p. 10-11).
Isto posto, a cantora teria “dormido negra [...], acordado ‘branca’ aos olhos
de tantos irmãos”, revelando uma celeuma originada na diáspora negra e na
miscigenação diversa no interior das sociedades “hospedeiras”. Pai preto, mãe
branca e a diversidade multicultural tangível, por conseguinte, “[...]
identidades plurais, mas também identidades contestadas, em um processo que é
caracterizado por grandes desigualdades” (WOODWARD, 2014, p. 22).
Estou convencido que o episódio de contestação
identitária, protagonizado por Cozza, tem um substrato nas desigualdades
existentes na sociedade brasileira e no processo de marginalização em que índios
e negros têm, há séculos, reagido exaustivamente e, por isso, tenha se
constituído um “exclusivismo cultural”. Entanto, se na longínqua década de 1930
os militantes da Frente Negra Brasileira empreendendo à conquista de uma
‘segunda Abolição’, padecia pelo antagonismo do “‘novo negro’, que ‘quer subir
na vida” e isolar-se ‘daquela gentinha negra’ e repudia os movimentos negros,
‘porque eles dão azar’” (FERNANDES, 2017, p. 44-45). Nos dias atuais, as
deliberações do meio negro são cada vez mais amplificadas, quer dizer, o
orgulho de ser negro ganhou novas redefinições e se disseminou pelo país.
Evidentemente, ainda existem negros que não se declaram como tal, mesmo que, em
termos de fenótipo, isso seja inegável.
Alcançamos um movimento político mais agregador e
unificado, se no passado, mulatos e mestiços não estavam subjetivamente
preparados para assumir uma pauta afirmativa, hoje o movimento negro se
reconhece como heterogêneo, plural e com várias nuances, inclusive nos aspectos
ideológicos, nas formas de atuação política e “em termos de cor”. No entanto, o
que não mudou foi a discriminação que, fazendo-se uma comparação entre negros e
mulatos, percebe-se uma discriminação em favor do mulato.
“[...] em termos de cor, se reproduz em várias
direções. Por isso, dentro da população negra e mestiça não há homogeneidade.
Criar esta homogeneidade é um problema preliminarmente político: trata-se de
levar o mulato a se identificar não com o branco, não com a rejeição à luta
contra o preconceito, mas levá-lo a aceitar a sua condição de negro e fazer com
que sejam negros todos os que possuam caracteres de origem”. (FERNANDES, 2017,
p. 93)
Isto posto, concordo com a advertência acerca da
concepção de uma “homogeneização” de diferentes termos, mas também da cor.
Parece-me anacronismo, uma tentativa estúpida de retorno a uma época em que
mulatos/mestiços tinham horror de terem suas situações raciais descobertas e
alardeadas e, nesse sentido, era “reconfortante” ter documentado na certidão de
nascimento a “cor parda”.
Estou convencido de que Fabiana Cozza, diferente de
tantas negras “retintas”, vivenciou o caráter dúbio e ambíguo do mestiço,
através da existência do preconceito que “tolera” a mestiçagem, considerando,
no processo de hibridização do negro com o branco, a possiblidade de se tornar
“agente de civilização”, pois “[...] quanto mais o negro se aproximar do branco
pela tez, pelos traços do rosto, nariz afilado, cabelos lisos, lábios finos,
maiores as suas possibilidades de ser aceito” (BASTIDE; FERNANDES, 1959, apud
GOMES, 2010, p. 146). No entanto, não se justifica que sua identidade seja
descaracterizada, transfigurada em identidade moribunda, “morta-ainda-viva”.
Portanto, é preciso “ser outro, mas com vida”, o que deixará de acontecer se o
entrincheiramento persistir entre nós, negros de nuances diversas, afinal, é
onde habita o torpor e o perigo.
Referências
Antonio
José de Souza é Mestre em Educação e Diversidade
(UNEB). Especialista em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido com Ênfase em
Recursos Hídricos (IF Baiano/Senhor do Bonfim-BA). Possui graduação
(bacharelado) em Teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza. Licenciado em
História pela Faculdade de Ciências da Bahia. Atua como Coordenador Pedagógico
Geral pela Prefeitura Municipal de Itiúba/BA. Integrante do Grupo de Pesquisa
DIVERSO - Docência, Narrativas e Diversidades, do Laboratório LaPPRuDes -
Políticas Públicas, Ruralidades e Desenvolvimento Territorial e da Associação
Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN.
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Em primeiro lugar, parabéns pelo seu texto Antônio José. Bastante claro e de um assunto extremamente relevante. O brasileiro tem uma tradição de branquear a sociedade e apagar a pessoa negra, é importante estar sempre em discussão este assunto, principalmente por não ser apenas uma questão de cor de pele, mas também de herança e, como colocado em seu texto, de identidade. Mas, a minha pergunta é em relação ao termo "negro", existe um desconstrução em torno do termo "preto" para que se deixe de ser ofensivo e existem pessoas que não aceitam mais serem chamadas de negras por não ser uma cor. Gostaria de saber qual a sua opinião sobre o assunto.
ResponderExcluirAbraços.
Greiciane Farias da Silva
Olá, Greiciane!
ExcluirTudo bem com vc?
Antes de qualquer coisa, muito obrigado pela pergunta.
Vale destacar que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem lançado mão do termo 'preto' como classificação de cor/raça nas pesquisas de censo demográfico desde 1872, por isso, nesse caso, o uso do vocábulo ‘preto’ não é equivalente a usar a categoria ‘negro’, pois pode incluir os pardos.
Contudo, particularmente, desconheço qualquer discussão acerca da rejeição da palavra ‘negro’, afinal, tomando como referência o livro clássico “Tornar-se negro”- As vicissitudes da Identidade do Negro Brasileiro em Ascensão Social (Ed. Graal, 1983) da psicanalista Neusa Santos Souza, percebe-se que a autora se expressa a partir da sua existencialidade feminina e sua subjetividade ‘negra’ e, nesse sentido, “saber-se negra” é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas expectativas, submetida a exigências absurdas, além de ser constrangida com perspectivas alienadas. Observe que Neusa não coloca nenhuma restrição ao “ser negro” e durante o seu estudo deixa claro que ‘se tornar negro’ é uma atitude/decisão política. Isto é, no Brasil, o negro/a negra tende a vivenciar o seu segundo advento, tomando posse de uma ‘negritude’, através de uma maturidade política.
Desse modo, segundo Munanga, no seu livro “Negritude: usos e sentidos” (Autêntica Editora, 2012), a partir do caráter biológico ou racial, “a negritude seria tudo o que tange à raça negra; é a consciência de pertencer a ela” (p. 58).
Greiciane, ofereço duas fontes que são importantes para o debate das questões raciais no nosso país e, portanto, elaboram conceitos e premissas a partir do “ser negro”.
Espero ter ajudado!
Abraços!
Caro Antonio José hoje seu texto apresenta compromisso com toda a comunidade apresentando, sobretudo as condições de desvantagem históricas pelas quais o negro passou. É importante discutir a questão da ancestralidade do negro para a formação e reconhecimento dessa identidade a final o negro deve ter orgulho em ser negro não é mais possível na atualidade ficar criando adjetivos para tentar tornar branco o negro E esse processo de afirmação da identidade negra se dá por meio da cultura e sobretudo da educação.
ResponderExcluirOlá, Rosângela!
ExcluirTudo bem com vc?
Antes de qualquer coisa, muito obrigado pelo comentário.
Sua percepção faz todo sentido, por isso a educação formal se estabelece como um marco no panorama das reivindicações do Movimento Negro, constando na pauta de suas lutas os esforços em denunciar e destacar a carência de diretrizes que objetivassem a orientação e a formulação de projetos comprometidos com a valorização da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, como também propusessem o envolvimento com as práticas pedagógicas, a partir das relações étnico-raciais positivas a que tais conteúdos deveriam encaminhar.
Coerentemente com o protagonismo negro no cenário político e em suas estratégias de promover uma educação antirracista, o Estado brasileiro vem formulando ações, no sentido de prover políticas e programas de valorização da identidade e da cultura dos povos negros, assinalando um quadro de intenções que visa a erradicação do racismo e da discriminação racial.
Espero ter ajudado!
Abraços!
Boa tarde, Antônio, ótimo texto e que me fez refletir sobre minha própria situação, pois de fato algumas pessoas já tentaram me "diminuir" como menos negro pela minha cor e muito pelo fato de minha mãe ser negra de pele bem escura e meu pai ser branco eu sou um meio termo entre os dois, mas só eu sei que isso não impede de, por exemplo, seguranças no shopping ou no supermercado fiquem à todo momento andando atrás de mim, entre outras coisas que fazem parte da minha realidade que fazem com que eu me identifique como uma pessoa negra. Ao mesmo tempo, eu vejo muitos colegas na mesma situação que eu que não se identificam como negros e nem como brancos e aí fica minha questão, pois os termos como mulatos, mestiços, pardos, pelo que aprendi em reuniões do movimento negro e em trabalhos acadêmicos mesmo, são termos com um sentido pejorativo, então como tu vê essa questão de onde essas pessoas se encaixam.
ResponderExcluirAtt,
Paulo Rodrigo Magalhães Santiago
Olá, Paulo!
ResponderExcluirTudo bem com vc?
Antes de qualquer coisa, muito obrigado pela pergunta que, inclusive, retoma minha história de vida e, consequentemente, minha implicação com o tema em debate, uma vez que na minha tenra infância não me percebia negro, muito embora os traços ancestrais da negritude estivessem presentes em minha bisavó, meu avô, mãe e pai. Tenho de reconhecer, contudo, que quando os adultos me perguntavam com quem casaria, prontamente respondia que seria com uma vizinha loirinha, de olhos verdes e de pele alva, que estudava comigo. Após a resposta, podia-se ouvir um coro, declarando-me como uma criança racista. Definitivamente, faltava-me lucidez para entender o que significava ser racista, afinal, todos diziam que eu era moreno e claro demais para ser negro. Portanto, só nasci negro, após os meus dezesseis anos de idade.
Nesse processo de negação da minha negritude, a escola contribuiu notadamente. As aulas de história, por exemplo, tinham o objetivo de tornar o africano visível, em invisível e descuidado, do ponto de vista etnográfico e antropológico. Eram aulas que cheiravam a sangue de negro escravizado, numa divulgação horrenda de ilustrações brutais dos negros sendo espancados, chicoteados e violentados em sua dignidade. As páginas dos livros didáticos estavam ensopadas de preconceito subliminar, contra os negros e os índios que nunca figuravam como protagonistas e, quando surgiam, eram em menções que os inferiorizavam perante os brancos.
Enquanto criança, eu não tinha maturidade suficiente para reconhecer a veemência da desqualificação do negro em uma literatura voltada para a infância e a juventude, por exemplo. Entretanto, hoje reconheço o quanto a minha negritude foi desfigurada, fazendo-me acreditar que ser negro/negra não era glorioso, causando afastamento e exclusão da própria identidade.
Fui uma criança negra, mas não sabia que era negra, nem poderia ser diferente, afinal, foi, principalmente, a escola que me ensinou, por meio dessas veiculações e reproduções imagéticas do “ser” negro, estereotipado e subordinado, o inconsciente recalcamento e inferiorização diante do “outro”, fazendo com que essas apresentações e supressões se tornassem mais eloquentes do que se pode compreender em um primeiro contato.
Perdão pela displicência, mas onde se lê "Toni de Souza", leia-se "Antonio José de Souza".
ResponderExcluirSeu texto é de uma riqueza muito valiosa nessas discussões no que diz respeito a questão identitária, bem como a configuração que se tem hoje do negro. Hall nos faz compreender que não existe uma única identidade, mas, uma diversidade. Dentro desse contexto, partindo da reflexão do seu texto, como quebrar paradigmas, ou formas depreciativas, impostas pela sociedade hodierna, em relação ao negro, sobretudo na construção de sua identidade, e ancestralidade?
ResponderExcluirVânia Maria Carvalho de Sousa.
Obrigada.
Boa noite, Antônio. Seu texto nos possibilita reflexões sobre o ser negro e sua ancestralidade como força condutora de identidades. Parabéns!!!
ResponderExcluirOlá, Vânia e José Humberto!
ResponderExcluirTudo bem com vcs?
A questão da identidade é frequentemente situada no âmbito de diversas ciências, o que nos possibilita encontrá-la remetida a muitas expressões ou conceitos. No entanto, para uma melhor compreensão desta discussão, aqui, prefiro lançar mão dos postulados de D’Adesky*(2009, p. 40), que caracteriza a identidade como “uma estrutura subjetiva marcada por uma representação do ‘eu’ oriunda da interação entre o indivíduo, os outros e o meio”.
Nessa perspectiva, cabe destacar que nossa vida, nosso mundo, constitui-se em um tempo onde a identidade individual é formada a partir da consciência acerca da sua condição existencial, tanto no aspecto individual ou mesmo como membro partícipe de distintas tribos. Trata-se de um momento de visíveis contradições, pois, ao passo em que nos deslocamos em direção às frenéticas aglomerações, a fim de fazer parte da “estrutura complexa ou orgânica” pós-moderna, também buscamos lograr, à custa de esforço intransferível, a “própria salvação”, a partir do temor ao “outro”, pois o olhar sobre o outro faz aparecer as diferenças e, consequentemente, elevam-se as trincheiras e distâncias entre as diferenças, nesse contexto, onde, muitas vezes, apenas o igual é salutar, admirável e favorável.
Essa compreensão está de acordo com a atual conjuntura que também tem sido denominada de modernidade líquida ou era “líquido-moderna”, logo, trata-se de um tempo que, conforme o sociólogo polonês Bauman** (2005, p. 19), “poucos de nós, se é que alguém, são capazes de evitar a passagem por mais de uma ‘comunidade de ideias e princípios’”.
Em outras palavras, é um tempo em que as relações adquirem um significado escorregadiço, liquefeito e, consequentemente, fadado a desembocar na foz da situação tendenciosa; adotando o contorno, desde que revele pendor ao contexto determinado. Por isso, é eloquente a compreensão de que as “identidades” se agitam ao vento e entre várias, algumas tremulam por nosso próprio discernimento, enquanto que outras são infladas e arremessadas por pessoas próximas, bem como distantes de todo e qualquer lugar.
Envolto nesse enredado contexto, revela-se o multiculturalismo que, como base teórica, bem como plano político, vem ganhando notoriedade nos debates atuais. Afinal, como já pudemos perceber, trata-se de uma concepção congruente com uma estrutura social pós-moderna, em que a diversidade, a intermitência e as diferenças são consideradas concepções centrais.
Sabemos que o Brasil é um país culturalmente heterogêneo e diverso, visto que se formou por intermédio de situações contraditórias atravessadas por entendimentos e graves divergências, provocando o hibridismo cultural, a mestiçagem, a crioulização e o sincretismo.
Enfim, é ainda o Brasil, um país em que prevalece a forma de preconceito baseada na origem racial através de uma profusão de manifestações preconceituosas e discriminatórias relacionadas aos fenótipos, isto é, às nuanças da cor da pele, do tipo de cabelo, do formato do nariz e da boca, entre outras particularidades perceptíveis e hereditárias, que caracterizam uma pessoa ou uma linhagem, como, por exemplo, nas expressões “corpo negro fisicamente sujo”, “feio”, “torrado”; “Negro de cabelo duro”, “pixaim”, “bom-bril”; “boca de caçapa”, “beiço de capote” e “nariz de nó de peia” etc.
Portanto, como professor, reconheço que os/as descendentes de africanos, europeus, asiáticos e dos povos indígenas precisam encontrar na escola condições de ter suas histórias, culturas e identidades reconhecidas e valorizadas. Nesta perspectiva, a escola deve ser produtora de conhecimentos e divulgadora de atitudes, posturas e valores, que se proponham a integrar todos e todas, igualmente, respeitando-se o direito à alteridade e rompendo com uma prática que, muitas vezes, insiste na negação do “outro” como ser humano. Isso exigirá condições materiais das escolas e formação adequada dos/as professores/as, portanto, aspectos indispensáveis a uma educação de qualidade.
Espero ter contribuído!
Abraços!
Antonio José
* D’ADESKY, J. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
ResponderExcluir** BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
Bom dia, Antônio! O seu texto é muito importante nesse momento que estamos vivenciando no Brasil o aumento da descriminação não só em relação ao negro, como aos índios e a sociedade menos favorecida como todo. Durante muito tempo essa justificativas da inferioridade do negro o termo (raça) estava associado a religião, era chamado de "estatuto de pureza de sangue" que limitava o acesso de determinados grupos sociais, ao longo século XIX Surgiu teorias de branqueamento da raça ganhando um novo sentido moderno "cientifico". Essas teorias foram inventadas para justificar as características de grupos humanos. a minha pergunta é você não acha que essa teorias trazidas da Europa e Estados unidos para o Brasil de branqueamento da raça, com aumentou da mistiçagem, a falta de informação nos livros didáticos e denominação usada pelo IBGE como (parda) não contribui para essa identificação do negro ou melhor essa falta de identificação de não se ver como negro.
ResponderExcluirProfessor Antônio, parabéns pelo texto. Sensível, profundo e problematizador!
ResponderExcluirVocê traz de forma implícita uma interessante contextualização sobre as contradições expressas no processo de formação sócio-espacial do Brasil e seus reflexos para os grupos étnico-raciais que compõem a população brasileira. Porém, o ponto forte de seu texto é exatamente como essas contradições se ressignificam no movimento político de luta dos grupos sociais, nesse caso específico, o Movimento Negro.
Nesse sentido, quais cuidados / pistas podem ser apontados para uma prática política agregadora dos [aparentemente] "diferentes" e identitariamente pertencentes ao mesmo "lugar existencial"?
Valdina e Heron, muito obrigado pela participação.
ResponderExcluirTalvez, pois não tenho certeza mesmo, o objetivo do texto seja expor os grandes desafios da travessia pelas experiências culturais e identitárias, pois ocasionam paulatinas transformações no liame com o “outro”. A natureza relacional da identidade é o cerne onde residem os nossos sentimentos, pensamentos e ações, portanto, é o sentido da atividade social que metamorfoseia o real e cada uma das pessoas. Nesse sentido, o "outro" é fundamental, para o bem ou para o mal, e, assim sendo, sempre teremos conflitos, afinal, dependemos desse "outro" e de sua consciência, vontade e disposição, principalmente, para o respeito e a empatia.
Primeiro quero parabeniza-lo pelo texto,que certamente me fez refletir sobre "ser ou vir a ser negro".
ResponderExcluirComo sabemos,durante anos a questão do negro vem sendo debatida em nosso país, desde a sua saída da África, durante a escravidão e após a abolição.
Sem dúvida há de se reconhecer que por muito tempo essa história do negro vem sendo na maioria das vezes, apagada ou adaptada por diversos personagens que cumprem conforme os seus interesses.
Minha pergunta é que, muitas das vezes esses debates mais aprofundados envolvendo o negro, as vezes é mais discutido em ambientes académicos
Não torna também que essa narrativa possa ser apenas limitada dentro das salas da Universidade,fazendo assim poucas pessoas principalmente os alunos do ensino básico, tenham pouco entendimento sobre o assunto?
O que fazer para que haja assim uma maior interação envolvendo esse assunto entre os alunos do ensino básico. Digo,como o profissional de história pode intervir nesses momentos?
Obrigado!
ENZO REIS DO ROSÁRIO